Os reflexos dos julgamentos do 8 de janeiro na política
26 de setembro de 2023O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta terça-feira (26/09) o julgamento dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Até o momento, três réus já foram condenados pela corte a penas que vão de 14 a 17 anos de prisão. O próximo a ser julgado é Moacir José dos Santos, de 52 anos, que vive em Cascavel, no Paraná.
Ao passo que manifestantes golpistas são condenados, fica a pergunta: como o julgamento no STF pode impactar o cenário político brasileiro agora e nos próximos meses? Os efeitos são diversos, segundo analistas ouvidos pela DW.
"A primeira questão é o desincentivo na utilização da violência como mobilização política. Essa aventura que se deu, à revelia da política dos partidos e dos grupos políticos tradicionais, está sendo fortemente coibida", avalia o cientista político Fabiano Engelmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ministros indicados por Jair Bolsonaro ao Supremo, Kassio Nunes e André Mendonça questionaram o tempo de condenação dos réus, mas foram voto vencido. Políticos aliados ao ex-presidente, como o senador Marcos Rogério (PL-RO), também questionaram o enquadramento criminal adotado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela corte.
Para o cientista político Antonio Lavareda, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a resposta dada até aqui pelo STF condiz com a gravidade do que foi o 8 de janeiro. "Essa será a mais forte manifestação contra futuros golpismos que tentem qualquer sublevação democrática."
Além de punir quem esteve na sede dos três poderes, a Polícia Federal (PF) e o STF devem alcançar os mandantes e financiadores dos atos golpistas, ponderou o cientista político Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "O 8 de janeiro tem três fases: quem executou, quem financiou e quem planejou. Punir quem executou é essencial e, até o momento, as penalidades são um bom indicativo", ponderou.
"Agora, é preciso avançar mais entre quem financiou. Os financiadores também precisam sofrer sanções. E um terceiro ponto é que nada ali foi instantâneo, tampouco descentralizado. Mesmo que aos olhos de hoje tudo pareça patético, o ato foi pensado e coordenado por alguém. As apurações vão chegar a esse núcleo? Se isso acontecer, aí sim teremos um ponto de inflexão", continuou Ranulfo.
Em 5 de setembro a PF cumpriu 53 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Tocantins, Ceará, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais para investigar financiadores de ônibus para transportar os invasores. Foi a 16ª fase da Operação Lesa Pátria, que apura como se deu o 8 de janeiro entre executores, autoridades omissas e arquitetos intelectuais do ato.
Os efeitos no bolsonarismo
O 8 de janeiro pode ser entendido como uma derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, mas não um esvaziamento completo. "Certamente o bolsonarismo sai mais fraco desse julgamento, mas dizer que ele sai mais fraco não significa dizer que ele sai. O movimento perde uma pequena franja de eleitores e adeptos que não concordam com a violação das regras da democracia", pondera Lavareda.
Engelmann tem uma avaliação semelhante à de Lavareda, mas faz uma ressalva: o julgamento em voga pode redobrar o discurso de perseguição. "Isso pode nos levar a construção de uma narrativa, que inclusive aparece em algumas intervenções na CPI do Congresso sobre o 8 de janeiro, de vitimização da ala bolsonarista. É um momento alimenta adesões ao discurso e estreita solidariedade em torno de uma mesma ideia."
Em pesquisa Datafolha divulgada neste mês, 25% dos eleitores se declararam bolsonaristas. O dado, segundo Ranulfo, é um indicativo de que o julgamento do 8 de janeiro e seus resultados ainda não tiveram um efeito prático na mudança de perfil do eleitorado. "Estamos falando de um quarto da população. Esse percentual ganha eleição? Não, mas ainda são 30 milhões de votos", destaca.
Ao mesmo tempo, Ranulfo diz que "conforme as investigações avançam, fica cada vez mais difícil para Bolsonaro ampliar esse núcleo duro e que é possível que esse percentual diminua conforme novas informações sejam reveladas".
Impacto nos partidos à direita
A conexão entre o julgamento e os partidos que orbitaram o bolsonarismo no último governo e nas eleições também não deve acontecer rapidamente. "O Bolsonaro já esteve em diversas siglas e o bolsonarismo não está ligado a um único partido. Claro que respinga um pouco, sobretudo no PL, mas ainda é um efeito nebuloso", comenta Engelmann.
"Um outro ponto que dificulta é a maneira como nosso sistema eleitoral está organizado, ao individualizar a representação. Isso dificulta a leitura pela população do comportamento dos partidos. É também um sintoma da regra de lista aberta do sistema eleitoral, que torna independente a atuação dos parlamentares. Então, é difícil criar esse vínculo com as legendas", analisou Lavareda.
Ranulfo argumenta que o julgamento do 8 de janeiro está inserido em um contexto mais amplo de derrotas da base bolsonarista, iniciado com a derrota nas eleições. Apesar de não afetar diretamente os partidos, o contexto modifica a correlação de forças no Congresso Nacional e a maneira como os partidos que formavam a base do antigo governo se relacionam com a gestão de Lula.
"O apoio ao bolsonarismo minguou no Congresso. A força é nenhuma. O PL está isolado, e há uma parcela do partido que aceita negociar com o atual governo. Só uma ala radical se opõe. O Republicanos já deu adeus ao PL há muito tempo e o PP também se distanciou", ponderou Ranulfo.
O governo Lula anunciou recentemente a entrada dos deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) nos ministérios do Esporte e de Portos e Aeroportos, respectivamente.
E a esquerda?
A tese de que as condenações dos manifestantes golpistas podem beneficiar automaticamente a esquerda não é tão simples. "Uma pesquisa da Quest de fevereiro mostrou que 12% do eleitorado à direita acreditava que o Lula tinha participação no 8 de janeiro", afirma Ranulfo.
Além disso, ele diz que a esquerda tem "muita dificuldade de crescer". "Basta ver o avanço dos municípios e do Legislativo. A direita é a principal força hoje. Ela detém 60% do Congresso atual, mas tem um problema: ela não sabe o que fazer com Bolsonaro", complementa.
"A esquerda poderá se beneficiar se incorporar ao seu discurso a defesa dos princípios democráticos, e isso exige coerência em todos os posicionamentos. De qualquer forma, as forças democráticas, ao se posicionarem contra o 8 de janeiro, vão se beneficiar, porque isso vai nos acompanhar durante um bom tempo", pontua Lavareda.