1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

STF emite primeiras condenações de réus do 8 de Janeiro

Publicado 14 de setembro de 2023Última atualização 15 de setembro de 2023

Associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado renderam a trio penas de 14 a 17 anos de prisão.

https://p.dw.com/p/4WME5
Estátua que simboliza a Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal: trata-se de uma mulher vendada, sentada, segurando uma espada que repousa em seu colo. Na barriga, o picho "perdeu, mané". Há uma bandeira do Brasil enrolada no pescoço da escultura. Ao fundo da imagem, vê-se policiais da tropa de choque.
Estátua em frente ao Supremo Tribunal Federal: Símbolo da Justiça foi vandalizado junto com as sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro de 2023Foto: Joedson Alves/AA/picture alliance

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (14/09) três réus pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Por maioria, a Corte concordou com os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a Aécio Lúcio Costa Pereira, 51; Thiago de Assis Mathar, 43; e Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 24: associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

O trio foi sentenciado a penas entre 14 e 17 anos de prisão, mais multa  e indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos – a ser quitada de forma solidária por todos os condenados.

No julgamento desta quinta, que havia sido iniciado na quarta, prevaleceu a tese da PGR de que os crimes do 8 de Janeiro foram cometidos por uma multidão e que, por isso, todos respondem pelo resultado do crime, sem necessidade de individualização de conduta. 

Relator dos processos, o ministro Alexandre de Moraes destacou, ao proferir seu voto na quarta contra o primeiro réu, Aécio Pereira, que "não existe liberdade de manifestação para atentar contra a democracia, pedir AI-5, volta da tortura, para pedir a morte de inimigos políticos, dos comunistas, para pedir intervenção militar". "Isso é crime", frisou.

Mais de 200 aguardam julgamento

Esta é a primeira vez que o STF julga civis por tentativa de golpe de Estado, enquadrando-os na nova Lei dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, de 2021, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional.

Pereira, Mathar e Lázaro fazem parte de um grupo de 232 pessoas denunciadas pela PGR por crimes mais graves relacionados ao 8 de janeiro – um quarto réu, Moacir José dos Santos, teve seu caso incluído na pauta do tribunal, mas ainda aguarda julgamento. O número total de denunciados pode aumentar, já que a PGR entregou no início desta semana outras 31 denúncias. Outros mais de 1.000 casos estão sob análise da Procuradoria e poderão ser objeto de acordos de não persecução penal.

As sentenças em detalhe e o que dizem as defesas 

Morador de Diadema (SP), Aécio Pereira havia publicado um vídeo nas redes sociais durante a invasão do Senado, mas acabou preso em flagrante pela Polícia Legislativa no plenário da Casa. Detido desde então, ele foi exonerado do cargo que ocupava na Sabesp, a empresa de águas e esgoto de São Paulo.

Pereira terá que cumprir 15 anos e 6 meses em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto, além de pagar uma multa de R$ 44 mil, mais a indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.

A defesa nega que ele tenha participado do quebra-quebra e alega que o réu deveria ser julgado na primeira instância. 

Um dos advogados dele, o desembargador aposentado Sebastião Reis Coelho, é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sob suspeita de incitar atos golpistas.

Também preso desde a invasão dos Três Poderes, Matheus Lázaro, de Apucarana (PR), portava um canivete quando foi detido já próximo ao Palácio do Buriti, sede do governo do DF, a 5 km de distância dali. Ele também gravou e divulgou vídeos do quebra-quebra e, por isso, teve a mesma pena que Pereira, de 17 anos de prisão, mais multa e indenização solidária.

A defesa afirma que Lázaro é inocente e foi alvo de "lavagem cerebral", já que ele sequer saberia o que significa intervenção militar.

Já o produtor rural Thiago Mathar, de São José do Rio Preto (SP), terá que cumprir pena de 14 anos de reclusão, além de pagar 100 dias-multa e arcar solidariamente com a indenização. A pena dele foi menor porque ele não gravou nem divulgou vídeos que pudessem incitar outras pessoas a participar da arruaça. 

A defesa alega que ele participou do ato com intenção pacífica, mas não cometeu atos de vandalismo e só adentrou o Palácio do Planalto para se proteger do conflito com agentes de segurança.

Como votaram os ministros

Oito dos 11 ministros concordaram com a PGR em enquadrar o trio pelos crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Foram eles: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber. Zanin, porém, propôs pena menor a Pereira, de 15 anos, e de 11 anos a Mathar.

O ministro Roberto Barroso votou por absolvê-los do crime de abolição violenta do Estado democrático, argumentando que a condenação por golpe de Estado já abarca os fatos em análise, e sugerindo uma pena de 10 anos de prisão para Pereira, de 11 anos e 6 meses para Lázaro e de 9 anos e 6 meses para Mathar.

Já André Mendonça descartou o crime de golpe de Estado, concordando com as condenações pelos outros quatro crimes e sugerindo penas menores: de 7 anos e 11 meses para Pereira, e de 4 anos e 2 meses para Mathar. Segundo ele, o golpe pressupõe uma "ordem jurídica e institucional", algo que dependeria de "uma ação de outras forças, basicamente dos militares"; pelo raciocínio do ministro, como o golpe não prosperou, não caberia essa acusação.

Kassio Nunes Marques foi o único a votar pela absolvição dos réus pelos crimes mais graves, imputando-lhe apenas dano qualificado e deterioração de patrimônio, calculando pena de 2 anos e 6 meses.

Tanto Mendonça quanto Nunes Marques assumiram um assento no STF por indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro, suspeito de incitar atos golpistas.

Embora estivesse nos Estados Unidos quando a invasão aconteceu, Bolsonaro não reconheceu oficialmente a derrota nas urnas e questionou a confiabilidade do sistema de votação eletrônico. Seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, era à época da depredação Secretário de Segurança do Distrito Federal e comandava a Polícia Militar, que escoltou a multidão de apoiadores de Bolsonaro até a Praça dos Três Poderes. Militares simpáticos ao ex-presidente também teriam sido coniventes com o quebra-quebra.

Bate-boca entre Moraes e Mendonça

Durante a sessão desta quinta, os ministros Moraes e Mendonça chegaram a discutir após o segundo colocar a depredação em Brasília na conta do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino – emulando uma retórica popular entre apoiadores de Bolsonaro.

"Eu não consigo entender, e também carece de resposta, como o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido", afirmou Mendonça.

Moraes reagiu apontando a omissão da Polícia Militar, subordinada ao governo do DF, a quem também caberia autorizar o emprego da Força Nacional.

"Não em relação aos prédios federais", interpelou Mendonça.

"Mas não em relação aos Três Poderes. Com todo respeito: Vossa Excelência querer falar que a culpa do 8 de Janeiro é do ministro da Justiça é de um absurdo…", contra-argumentou Moraes. "Vossa Excelência vem no plenário do Supremo Tribunal Federal – que foi destruído – para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó".

ra (ots, Agência Brasil, AFP)