STF emite primeiras condenações de réus do 8 de Janeiro
Publicado 14 de setembro de 2023Última atualização 15 de setembro de 2023O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (14/09) três réus pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Por maioria, a Corte concordou com os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a Aécio Lúcio Costa Pereira, 51; Thiago de Assis Mathar, 43; e Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 24: associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
O trio foi sentenciado a penas entre 14 e 17 anos de prisão, mais multa e indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos – a ser quitada de forma solidária por todos os condenados.
No julgamento desta quinta, que havia sido iniciado na quarta, prevaleceu a tese da PGR de que os crimes do 8 de Janeiro foram cometidos por uma multidão e que, por isso, todos respondem pelo resultado do crime, sem necessidade de individualização de conduta.
Relator dos processos, o ministro Alexandre de Moraes destacou, ao proferir seu voto na quarta contra o primeiro réu, Aécio Pereira, que "não existe liberdade de manifestação para atentar contra a democracia, pedir AI-5, volta da tortura, para pedir a morte de inimigos políticos, dos comunistas, para pedir intervenção militar". "Isso é crime", frisou.
Mais de 200 aguardam julgamento
Esta é a primeira vez que o STF julga civis por tentativa de golpe de Estado, enquadrando-os na nova Lei dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, de 2021, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional.
Pereira, Mathar e Lázaro fazem parte de um grupo de 232 pessoas denunciadas pela PGR por crimes mais graves relacionados ao 8 de janeiro – um quarto réu, Moacir José dos Santos, teve seu caso incluído na pauta do tribunal, mas ainda aguarda julgamento. O número total de denunciados pode aumentar, já que a PGR entregou no início desta semana outras 31 denúncias. Outros mais de 1.000 casos estão sob análise da Procuradoria e poderão ser objeto de acordos de não persecução penal.
As sentenças em detalhe e o que dizem as defesas
Morador de Diadema (SP), Aécio Pereira havia publicado um vídeo nas redes sociais durante a invasão do Senado, mas acabou preso em flagrante pela Polícia Legislativa no plenário da Casa. Detido desde então, ele foi exonerado do cargo que ocupava na Sabesp, a empresa de águas e esgoto de São Paulo.
Pereira terá que cumprir 15 anos e 6 meses em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto, além de pagar uma multa de R$ 44 mil, mais a indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.
A defesa nega que ele tenha participado do quebra-quebra e alega que o réu deveria ser julgado na primeira instância.
Um dos advogados dele, o desembargador aposentado Sebastião Reis Coelho, é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sob suspeita de incitar atos golpistas.
Também preso desde a invasão dos Três Poderes, Matheus Lázaro, de Apucarana (PR), portava um canivete quando foi detido já próximo ao Palácio do Buriti, sede do governo do DF, a 5 km de distância dali. Ele também gravou e divulgou vídeos do quebra-quebra e, por isso, teve a mesma pena que Pereira, de 17 anos de prisão, mais multa e indenização solidária.
A defesa afirma que Lázaro é inocente e foi alvo de "lavagem cerebral", já que ele sequer saberia o que significa intervenção militar.
Já o produtor rural Thiago Mathar, de São José do Rio Preto (SP), terá que cumprir pena de 14 anos de reclusão, além de pagar 100 dias-multa e arcar solidariamente com a indenização. A pena dele foi menor porque ele não gravou nem divulgou vídeos que pudessem incitar outras pessoas a participar da arruaça.
A defesa alega que ele participou do ato com intenção pacífica, mas não cometeu atos de vandalismo e só adentrou o Palácio do Planalto para se proteger do conflito com agentes de segurança.
Como votaram os ministros
Oito dos 11 ministros concordaram com a PGR em enquadrar o trio pelos crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Foram eles: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber. Zanin, porém, propôs pena menor a Pereira, de 15 anos, e de 11 anos a Mathar.
O ministro Roberto Barroso votou por absolvê-los do crime de abolição violenta do Estado democrático, argumentando que a condenação por golpe de Estado já abarca os fatos em análise, e sugerindo uma pena de 10 anos de prisão para Pereira, de 11 anos e 6 meses para Lázaro e de 9 anos e 6 meses para Mathar.
Já André Mendonça descartou o crime de golpe de Estado, concordando com as condenações pelos outros quatro crimes e sugerindo penas menores: de 7 anos e 11 meses para Pereira, e de 4 anos e 2 meses para Mathar. Segundo ele, o golpe pressupõe uma "ordem jurídica e institucional", algo que dependeria de "uma ação de outras forças, basicamente dos militares"; pelo raciocínio do ministro, como o golpe não prosperou, não caberia essa acusação.
Kassio Nunes Marques foi o único a votar pela absolvição dos réus pelos crimes mais graves, imputando-lhe apenas dano qualificado e deterioração de patrimônio, calculando pena de 2 anos e 6 meses.
Tanto Mendonça quanto Nunes Marques assumiram um assento no STF por indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro, suspeito de incitar atos golpistas.
Embora estivesse nos Estados Unidos quando a invasão aconteceu, Bolsonaro não reconheceu oficialmente a derrota nas urnas e questionou a confiabilidade do sistema de votação eletrônico. Seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, era à época da depredação Secretário de Segurança do Distrito Federal e comandava a Polícia Militar, que escoltou a multidão de apoiadores de Bolsonaro até a Praça dos Três Poderes. Militares simpáticos ao ex-presidente também teriam sido coniventes com o quebra-quebra.
Bate-boca entre Moraes e Mendonça
Durante a sessão desta quinta, os ministros Moraes e Mendonça chegaram a discutir após o segundo colocar a depredação em Brasília na conta do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino – emulando uma retórica popular entre apoiadores de Bolsonaro.
"Eu não consigo entender, e também carece de resposta, como o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido", afirmou Mendonça.
Moraes reagiu apontando a omissão da Polícia Militar, subordinada ao governo do DF, a quem também caberia autorizar o emprego da Força Nacional.
"Não em relação aos prédios federais", interpelou Mendonça.
"Mas não em relação aos Três Poderes. Com todo respeito: Vossa Excelência querer falar que a culpa do 8 de Janeiro é do ministro da Justiça é de um absurdo…", contra-argumentou Moraes. "Vossa Excelência vem no plenário do Supremo Tribunal Federal – que foi destruído – para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó".
ra (ots, Agência Brasil, AFP)