Hans M. Enzensberger, intelectual público entre poesia e crítica
24 de fevereiro de 2013Um dos últimos grandes public intellectuals da Alemanha, parte de uma geração de escritores que viveu os horrores do Terceiro Reich e da Segunda Guerra Mundial, Hans Magnus Enzensberger foi desde o início de sua carreira um dos enfants terribles das letras germânicas no pós-guerra, tornando-se uma celebridade e causando impacto e polêmica a partir de sua primeira publicação, a coletânea de poemas Die Verteidigung der Wölfe(A defesa dos lobos, 1957).
Era muitas vezes resignado o tom da geração anterior de poetas, como Günter Eich ou Peter Huchel, muitos deles retornando da guerra para um país transformado em tribunal a céu aberto. Em contraste, o primeiro livro de Enzensberger trazia já sua ânsia por intervenção política e a acusação intransigente, tanto contra o que restava da Alemanha nazista, como contra aquilo em que a Alemanha ia aos poucos se tornando, sob os auspícios do mundo ocidental. Esse trabalho, ao lado do de seu contemporâneo exato Heiner Müller, abriria o caminho para os enfants terribles da década seguinte, como Peter Handke.
Prevendo o poder da mídia
Após completar seus estudos na Sorbonne com uma tese de mestrado sobre o poeta Clemens Brentano, Enzensberger trabalhou por alguns anos no rádio, em Stuttgart, ao lado do escritor Alfred Andersch; como crítico literário e político para publicações como Der Spiegel; e ainda como lector para a editora Suhrkamp. Em 1963, com 33 anos de idade, foi um dos autores mais jovens a receber o prestigioso Prêmio Georg Büchner.
Ele é melhor conhecido no Brasil e na Europa como crítico e ensaísta, mas seus poemas foram publicados no Brasil na década de 80, numa antologia traduzida por Armindo Trevisan e Kurt Scharf, intitulada Eu falo dos que não falam(Editora Brasiliense, 1985). Mais tarde, trechos do importante Der Untergang der Titanic(O naufrágio do Titanic, 1978) foram traduzidos por Nelson Ascher. Em 2000, a Companhia das Letras lançava o poema longo na íntegra, em versão de José Marcos Mariani de Macedo.
Discípulo de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, um dos seus trabalhos de caráter político mais conhecidos e polêmicos foi sua teoria sobre a indústria das comunicações e mídia, expressa em Baukasten zu einer Theorie der Medien(Kit de construção para uma teoria da mídia, 1970).
Muitas dessas ideias se tornaram moeda corrente nas discussões sobre a influência, controle e manipulação da mídia na distribuição de informação para o público e suas relações com o poder estatal. No entanto, Enzensberger parte da crítica da Escola de Frankfurt – especialmente a formulada por Adorno e Horkheimer em Dialektik der Aufklärung (Dialética do Iluminismo, 1947) – para criar o conceito de Bewusstseins-Industrie (Indústria da consciência). Este recontextualiza o conceito político para as transformações tecnológicas dos anos 60, que deram ainda maior poder de alcance à mídia, e compreende as características dialéticas de controle e libertação que as formam.
Nojo da passividade política
Em tempos de Wikileaks, Facebook e Twitter, algumas das proposições de Enzensberger assumem contorno profético, ao afirmar que, diante da impossibilidade de fazer desaparecer a manipulação da informação, a única saída seria que todos se tornassem manipuladores, evitando assim a passividade do mero espectador.
Com livros como Ach, Europa! Wahrnehmungen aus sieben Ländern (Ah, Europa! Percepções de sete países, 1987), no qual parte das hostilidades entre alemães e europeus ocidentais e orientais, ou Schreckens Männer – Versuch über den radikalen Verlierer(Homens do terror – Ensaio sobre o perdedor radical, 2006), no qual discute a situação política e cultural dos países árabes, Enzensberger segue sendo um dos mais polêmicos agitadores políticos da cena cultural alemã.
Movido por uma intransigência política que o leva a negar o discurso triunfante do capitalismo tardio, um dos conceitos mais mencionados ao se discutir seu trabalho é o de Weltekel, ou nojo do mundo. Sua raiva parece dirigir-se primordialmente contra a tendência contemporânea à passividade política.
Como no poema que dá título a seu primeiro livro. Num símbolo claro da burguesia capitalista nascente na Alemanha da década de 1950 – Hans Magnus Enzensberger investe em defesa dos lobos contra as ovelhas, dizendo-lhes: "Vocês / convidam ao estupro / deitando-se no leito preguiçoso / da obediência. Mesmo gemendo / vocês mentem. Querem / ser devoradas. Vocês / não mudam o mundo".
Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Augusto Valente