Tendências atuais
O discurso público politicamente viável construído na Alemanha desde a "desnazificação" do pós-guerra e imbuído da defesa irrestrita dos princípios democráticos se tornou alvo de uma controversa crítica à cultura lançada pelo prosador e dramaturgo Botho Strauss em 1993, com a publicação do polêmico ensaio "Anschwellender Bocksgesang" (Canto do Bode, crescendo), na revista Der Spiegel.
O longo e hermético texto, publicado em um veículo pouco propício para uma leitura mais detida, foi interpretado como uma virada da esquerda revolucionária para a direita mistificadora. Seu repúdio à tendência de a sociedade de consumo coisificar as ações sociais vem acompanhada da crítica a uma crescente dessacralização muitas vezes legitimada como defesa da democracia:
"Qual possibilidade de transformação ainda possui o que é nosso, o que se obra? Ao que tudo indica, nenhuma. Ingressamos na permanência do sistema que se corrige a si mesmo. Se é que isso ainda é democracia ou já passou a ser democratismo: um modelo cibernético, um discurso científico, uma associação tecnopolítica de autovigilância, resta saber."
O que começa como uma crítica à inflexibilidade e à perda de valores nas democracias ocidentais parece enveredar, ao longo do ensaio, numa difusa crítica à modernidade, numa vaga apologia a algum organismo que deveria catalisar as fragmentações culturais, reverter a alienação e redespertar um senso coletivo numa sociedade massificada. No entanto, foi sobretudo a vaga defesa de um retorno ao mito e a valores religiosos tradicionais que colocou Botho Strauss sob suspeita de reacionarismo.
Se Christa Wolf fora desqualificada por supostamente compactuar com o autoritarismo de esquerda, no mesmo ano Botho Strauss seria acusado de um deslize mistificador para o espectro muito além da direita permissível.
"Palmatória moral" e revisionismo Cinco anos depois, seria o romancista Martin Walser a causar amplo protesto, após criticar uma suposta "instrumentalização do Holocausto" na Alemanha, ao receber o Prêmio da Paz da Associação do Comércio Livreiro, em outubro de 1998. Em seu discurso, ele advertia que a temática de Auschwitz não deveria ser reduzida a uma "palmatória moral" a ser usada sistematicamente contra os alemães. Se o que fora interpretado como revisionismo histórico no caso de Botho Strauss já provocara o repúdio das representações judaicas alemãs, Martin Walser chegaria a ser tachado de anti-semita, sobretudo após a publicação do romance Tod eines Kritikers (Morte de um Crítico). O livro esboça uma ferina caricatura do crítico judeu Marcel Reich-Ranicki, que em seu duradouro programa literário de televisão colaborou para a difamação de inúmeros literatos, inclusive de Christa Wolf nos anos 1980. Nas últimas décadas, a recepção da produção literária de língua alemã na mídia sempre ameaçou ficar à sombra de escândalos desencadeados por escritores, requisitados mais em seu papel como porta-vozes da consciência política do que como literatos. Günter Grass, por exemplo, que desde o pós-guerra sempre ocupou grande espaço público como ativista social-democrata, passaria a ser consultado como conselheiro sociopolítico pela mídia com uma regularidade ainda maior após ter recebido o Nobel de Literatura, em 1999. Em sua autobiografia Descascando a Cebola, publicada em 2007, Grass divulga pela primeira vez a informação de que havia participado da Waffen-SS, unidade de elite da polícia nazista, quando era adolescente. A notícia chocou a opinião pública não apenas pelo fato de Grass sempre ter se comportado como a "consciência da nação". O fato de ele ter protelado tanto tempo a divulgação de um dado biográfico de tanta relevância tornou-o alvo de crítica generalizada. A polêmica em torno de Grass não durou muito, mas fez a opinião pública reavaliar o papel político atribuído aos escritores pela mídia. Lúdico e a denúncia na literatura austríaca Enquanto na Alemanha a reflexão sobre o passado nazista foi intensa desde o pós-guerra, até ter se institucionalizado como tarefa política do Estado, na Áustria a denúncia da conivência com o regime de Hitler ficou durante muito tempo a cargo dos intelectuais, literatos e artistas. Thomas Bernhard (1931–1989), um dos mais influentes escritores austríacos, se volta de forma ferina em sua obra contra os resíduos do nacional-socialismo numa sociedade impregnada pelo conservadorismo católico. O radicalismo da literatura austríaca não se reduz apenas à ousadia temática, mas se manifesta em um grande entusiasmo pelas inovações formais. Enquanto o pós-guerra alemão foi marcado por uma grave reflexão sobre como operar com o material da literatura, a língua, após sua instrumentalização por parte do aparato de propaganda nazista, os anos 1950 na Áustria foram dominados pela irreverência do Grupo de Viena, que resgatou o experimentalismo do barroco e das vanguardas modernas como base de uma literatura lúdica e performática. Seus representantes – H.C. Artmann (1921–2000), Friedrich Achleitner (*1930), Konrad Bayer (1932-1964), Gerhard Rühm (*1930), Oswald Wiener (*1935), Ernst Jandl (1925–2000) e Friederike Mayröcker (*1924) – ainda exercem uma influência representativa sobre a poesia contemporânea de língua alemã. Se Ingeborg Bachmann (1926–1973) colaborou para a inovação da linguagem poética de forma decisiva, Peter Handke (*1942) revolucionaria a prosa narrativa e o teatro de língua alemã não apenas no contexto das rupturas da década de 60. Em sua extensa obra como romancista, Handke criou ao longo de quatro décadas um dos mais complexos repertórios épicos da literatura contemporânea, refletindo a linguagem narrativa como forma de apropriação do presente, em intenso diálogo com referências literárias européias. Suas obras dramáticas são marcadas desde o início por um experimentalismo formal que o tornou um dos dramaturgos mais encenados de língua alemã. Elfriede Jelinek (*1946), Nobel de Literatura de 2004, encena em seus romances e peças de teatro as relações de poder e repressão através de uma dicção polifônica, prosseguindo a tradição de denúncia do conservadorismo da sociedade austríaca. Alguns outros nomes da literatura contemporânea austríaca são Franz-Josef Czernin (*1952), Joseph Winckler (*1953), Christoph Ransmayr (*1954), Werner Schwab (1958–1994), Franzobel (*1967), Raoul Schrott (*1964), para citar apenas alguns nomes. Diversidade da cena literária contemporânea A literatura jovem alemã se desenvolveu em condições bem distintas das que tiveram os escritores que começaram a atuar no pós-guerra ou nas décadas de 60 e 70. Com a reunificação do país e a diluição da fronteira (de certa forma também lingüística) entre as duas Alemanhas, desfizeram-se as frentes definidas entre repertórios literários distintos e os objetos sobre (ou contra) os quais se escrevia. Ao contrário do que se poderia imaginar, a reflexão sobre uma nova identidade cultural após a reunificação não foi a prioridade da geração de transição, nascida na década de 60. A reunificação da Alemanha coincide com a época da propagação nas novas mídias, que viria a influenciar de forma mais decisiva o desenvolvimento das gerações de literatos posteriores. Na literatura alemã atual, pode-se notar a mesma diversidade reconhecível nos outros países do mundo e difícil de sintetizar. As novas tecnologias digitais e as possibilidades de interação intermídia levaram nos anos 90 a uma grande euforia pelo hipertexto e pela web-literatura. A propagação da cultura DJ levou ao resgate da oralidade literária e à popularização da performance do texto literário em recitais multimídia ou poetry slams.Paralelamente a essas manifestações espontâneas, que diluíram – não só na literatura – as fronteiras entre a chamada alta cultura e a cultura pop, o ambiente literário passou por um processo de intensa profissionalização e institucionalização.
Diploma de escritor
Na Alemanha, esta também foi a época de criação dos cursos superiores de creative writing. O único modelo de escola superior para literatos até então existente no país era o Instituto Johannes R. Becher, em Leipzig, que formou escritores representativos na Alemanha Oriental. Sob a alegação de que o instituto não correspondia aos fundamentos democráticos por supostamente continuar pregando o real socialismo, o governo estadual da Saxônia fechou a instituição em 1990. O protesto de estudantes, intelectuais e políticos levou as autoridades a repensar sua decisão e a reelaborar a concepção do curso. O resultado foi o Instituto Alemão de Literatura de Leipzig, que começou a funcionar em 1995 e passou a definir uma dicção específica dos autores jovens, especialmente na prosa. Ao mesmo tempo, as instituições culturais descobriram a literatura como matéria de eventos. Além dos grandes festivais literários – dos quais se destacam os de Berlim e Colônia –, a profissionalização dos recitais tornou a leitura pública e a performance ao vivo adendos atraentes ao livro. Ao mesmo tempo em que a tendência do setor editorial é de centralização, com fusões cada vez mais freqüentes e o encampamento das editoras pequenas por parte de conglomerados multimídia, as facilidades digitais proporcionaram a proliferação de minieditoras. A veiculação da produção literária através de revistas eletrônicas também se tornou uma importante forma de escoamento da vasta produção literária, da qual apenas uma ínfima parte pode ser contemplada na grande imprensa. O dinamismo e a fragmentação da atual cena literária não são um fenômeno especificamente alemão. A lista abaixo destaca alguns jovens escritores contemporâneos nascidos até o fim da década de 60, representando apenas uma parte do complexo cenário da literatura de língua alemã contemporânea.Marcel Beyer (*1965), Maxim Biller (*1960), Mirko Bonné (*1965), Thomas Brussig (*1965), Ulrike Draesner (*1962), Tanja Dückers (*1968), Durs Grünbein (*1962), Felicitas Hoppe (*1960), Thomas Kling (*1957-2005), Barbara Köhler (*1959), Michael Lentz (*1964), Bert Papenfuß (*1956 ), Andreas Maier (*1967), Ingo Schulze (*1962), Albert Ostermaier (*1967), Anne Weber (*1964), Feridun Zaimoglu (*1964).
Publicação: abril de 2008