Grande dama da literatura alemã completa 75 anos
18 de março de 2004"Ela apostou na República Democrática Alemã (RDA) porque procurava uma alternativa ao capitalismo. Ela ficou no país porque só lá podia escrever. Ela sonhava com o socialismo, mas à margem do partido. Ela não permitiu que a calassem, afirmando sua própria capacidade de expressão. Mas cantou baixinho, para não assustar ninguém." Essas frases concisas dizem o que é mais importante na vida da escritora alemã-oriental Christa Wolf e constam de sua primeira biografia recém publicada. Um dos grandes nomes da literatura contemporânea alemã, ela completa 75 anos nesta quinta-feira (18).
A descrição, ao mesmo tempo, define muito bem a posição incômoda em que muitas vezes se viu a escritora nascida em Landsberg (atual Polônia) e que foi uma das primeiras a abordar a divisão alemã em seus livros. Céu Dividido teve uma tiragem de 160 mil exemplares logo na primeira edição, em 1963.
Cassandra e a fidelidade à utopia socialista
Neste livro, Christa Wolf conta a história de um amor que fracassa na divisão das duas Alemanhas, na intolerância e hiprocrisia inerentes à realidade esquizofrênica dos dois Estados alemães. Com isso, a escritora conquistou leitores dos dois lados do Muro, e seus livros passaram a ser publicados quase concomitantemente nas duas Alemanhas.
"Eu amei este país", escreveu certa vez Christa Wolf a Günter Grass, após o declínio da RDA. "Eu sabia que ele estava no fim, porque já não podia integrar as melhores pessoas, porque exigia sacrifício humano", continua sua carta. Foi quando ela decidiu escrever Cassandra, livro no qual colocou uma mensagem clara, inclusive para a censura em seu país.
"Eu esperei ansiosa para ver se eles se atreveriam a entender a mensagem de Cassandra de que o declínio de Tróia era inevitável", expôs ainda Christa Wolf em sua correspondência com o último escritor alemão a receber o Nobel de literatura. Os leitores entenderam a mensagem, mas não os censores, que publicaram o livro sem cortes.
Uma escritora sem lugar no mundo
Mas aí aconteceu algo que muitos no Ocidente não conseguiram entender no seu comportamento. Se 'Tróia' tinha que desaparecer, por que Christa Wolf assinou um manifesto intitulado "A favor deste país", pouco antes do fim amargo da RDA? Ela não pensou na velha Alemanha Oriental, explicou a autora de Cassandra, mas, "por um pequeno momento histórico, em um país muito diferente, que nenhum de nós nunca verá".
Christa Wolf não via uma alternativa à RDA e cada vez mais aumentava sua sensação de não ter uma pátria, como exprime um de seus títulos: Kein Ort. Nirgends (Sem lugar. Em lugar algum). Ele foi publicado em 1979, praticamente quando a escritora se sentia contra a parede, poucos anos após a extradição do autor e compositor Wolf Biermann. Vida e obra de Christa Wolf estão intrinsecamente ligados.
O apelo de muitos artistas e escritores contra a expulsão de Biermann em 1976 — Christa Wolf e seu marido estiveram entre os iniciadores — foi a tentativa desesperada de continuar seguindo, de cabeça erguida, o caminho de uma outra via alemã após a barbárie nazista.
Autocrítica: a busca de autenticidade
Christa Wolf tornara-se uma instância moral em seu país. Não só os seus leitores nela depositaram suas esperanças de mudança. Entre os intelectuais, Christa Wolf personificava a própria esperança de uma "outra RDA", de uma sociedade alternativa ao igualitarismo repressivo e cinzento da Alemanha de regime comunista. A cúpula puniu seu marido com a expulsão do partido, mas não a escritora, sua figura de proa.
"Escrever é um ato contra o esquecimento" — assim ela definiu um dos seus principais impulsos. Isso inclui uma dura autocrítica. Uma visão muito pessoal nessa luta interna por mais autenticidade e veracidade, o leitor adquire ao ler as anotações que a escritora fez durante 40 anos, sempre no mesmo dia, 27 de setembro. Elas foram publicadas em 2003 sob o título Ein Tag im Jahr — 1960-2000 (Um dia no ano).
Christa Wolf e o Stasi
Para seu editor, Gerald Trageiser, o livro é mais uma prova de que Christa Wolf "nunca foi uma súdita do Estado RDA, conforme muitos a tacharam após a unificação". A patrulha ideológica do Ocidente tentou desacreditá-la, questionando até mesmo suas qualidades literárias, embora seu nome várias vezes tenha sido proposto para o Nobel de Literatura, juntamente com o de Günter Grass. "Eu confio no juízo dos leitores, lendo meus livros eles verão que eu não fui uma escritora oficial da RDA", comentou certa vez a escritora, que entre outros prêmios recebeu o Georg Büchner, a maior distinção literária da Alemanha.
Por um curto momento, em pleno caos dos anos 1989/1990, seu nome chegou a ser cogitado para ocupar o cargo de chefe de Estado da RDA, seguindo o modelo da antiga Tchecoslováquia, onde o escritor Vaclav Havel tornou-se o primeiro presidente da nova era política. Mas a "irmã oriental de Heinrich Böll" — no sentido de consciência crítica da nação, acabou se ressentindo de ser encarada mais como instância moral e ideal de coragem civil e resistência, e menos como escritora.
Uma sombra caiu sobre a pessoa de Christa Wolf quando as atas do Stasi, o Serviço de Segurança do Estado alemão oriental, revelaram que ela foi "colaboradora informal" de 1959 a 1962. Imediatamente, ela escreveu Akteneinsicht Christa Wolf (Acesso às atas de Christa Wolf), um livro documentando esse período e como ela própria foi vítima da espionagem do Stasi. "O processo que eu abri contra mim mesma, tenho que realizar sem advogado de defesa", anotou a escritora em 1993.
A exclusão da mulher na história
Mas houve novos sucessos literários, por exemplo Medea, um livro sobre amor e traição, publicado em 1996. Em 2002 chegou às livrarias Leibhaftig (Em pessoa), romance sobre o pesadelo de uma internação num hospital nos últimos dias da RDA, paciente e Estado nas últimas.
Além da biografia, por ocasião do seu aniversário, também foi publicada sua correspondência com a filósofa, médica e escritora judia Charlotte Wolff, que emigou da Alemanha para Londres.
Um grande tema nunca saiu do seu foco: "a derrota da mulher na história mundial". Em épocas de crise, a civilização se revela como um verniz muito fino e superficial, exibindo sua cara feira. "O medo, a cobiça e a falta de consideração da sociedade masculina surgem à tona em toda a sua crueza, enquanto as mulheres novamente são excluídas", diz a feminista Christa Wolf, o que é válido tanto para a Grécia antiga do seu Cassandra, quanto para este começo de milênio.