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França pretende proibir certificados de virgindade

Delali Sakpa
7 de dezembro de 2020

Medida faz parte da estratégia do governo francês no combate ao fundamentalismo islâmico. Ativistas, porém, advertem que proibição não é suficiente para mudar mentalidade de famílias ultraconservadoras.

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Frauen mit Kopftuch in Paris
Segundo a OMS, testes de virgindade ainda são praticados em mais de 20 países ao redor do mundoFoto: AP

"O certificado não é para mim, é realmente para minha família. Não sei o que fazer. Estou perdida." Essas são declarações de jovens muçulmanas em busca de um certificado de virgindade para proteger a honra da família e a crença religiosa de seus pais, diz Ghada Hatem. Ela é ginecologista, obstetra e fundadora da Maison des Femmes em Saint Denis, um subúrbio de Paris. A Maison des Femmes é um centro de aconselhamento para mulheres vítimas de violência.

A história se repete com frequência. "Elas ligam para a clínica e pedem um contato telefônico direto com o médico", afirma Gada Hatem. "Então imediatamente sei do que se trata e converso com elas", acrescenta.

Ghada Hatem é contatada, em média, três vezes por mês por jovens muçulmanas em busca de tal certificado. Pouquíssimos médicos na França conduzem de fato o exame, disse a ginecologista à DW. Os certificados, via de regra, são emitidos sem exame.

Tratamento humilhante de mulheres

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), testes de virgindade ainda são praticados em mais de 20 países ao redor do mundo. Durante o exame, o hímen é inspecionado visualmente ou com os dedos. De acordo com a OMS, tal exame é incapaz de provar se uma mulher ou uma menina teve relações sexuais vaginais ou não, pois um hímen rompido não é "evidência" de relação sexual. O exame representa uma violação dos direitos humanos, afirma a OMS.

Ghada Hatem, ginecologista e fundadora da Maison des Femmes em Saint Denis
Ghada Hatem, ginecologista e fundadora da Maison des Femmes em Saint DenisFoto: Herve Lequeux/Hans Lucas/imago images

Neste ponto, a Anistia Internacional é ainda mais direta: "Os chamados testes de virgindade são extremamente discriminatórios, violam os direitos à dignidade e à integridade física e mental e violam as disposições legais internacionais que proíbem a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes", afirma a organização de direitos humanos em um posicionamento online.

Em outubro de 2018, as Nações Unidas pediram aos Estados-membros que proibissem testes do tipo. Além disso, a ONU também faz campanhas para combater tais práticas prejudiciais, assim como para fortalecer a emancipação feminina.

Estratégia política ou ajuda real

Enviado aos presidentes da Assembleia Nacional e do Senado da França em novembro, o projeto de lei do governo francês para ratificar os "princípios republicanos" será examinado pelo Conselho de Ministros no dia 9 de dezembro. Segundo o presidente Emmanuel Macron, a lei deverá combater o Islã radical e o "separatismo". O texto foi complementado por cláusulas contra o ódio online após o ataque a Samuel Paty, professor de história assassinado por usar em sala de aula as caricaturas de Maomé da revista satírica Charlie Hebdo.

Uma das cinco prioridades da lei é o fortalecimento dos direitos das mulheres por meio do combate à discriminação na herança, poligamia, casamento forçado e testes de virgindade.

Outros objetivos do projeto de lei incluem a luta contra o discurso de ódio nas redes, a laicidade obrigatória no funcionalismo público e a obrigação de respeitar os princípios e valores da república por qualquer associação que solicite uma subvenção governamental.

Marlène Schiappa, ministra adjunta da Cidadania no Ministério do Interior da França, disse que a lei prevê penalidades para aqueles que solicitarem testes de virgindade e para os médicos que emitirem o certificado.

A escritora e socióloga francesa Kaoutar Harchi, por outro lado, acredita que é um exagero proibir legalmente os certificados de virgindade. Segundo ela, em todo caso, eles raramente são solicitados. "É uma estratégia para estigmatizar a minoria muçulmana", afirma, e ainda vai ainda mais longe: "A lei visa punir os médicos que realizam testes de virgindade. Mas ela também viola o princípio da separação entre Igreja e Estado, contra os valores republicanos e o pacto nacional".

Médicos, feministas e ativistas pelos direitos das mulheres em geral também criticam o projeto de lei.

Marlène Schiappa, ministra adjunta da Cidadania, fala durante cerimônia no Hotel de Beauvau, sede do Ministério do Interior francês, em Paris, França, em 23 de novembro de 2020, para marcar o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, durante a operação #Orangetheworld, organizada pela ONU Mulheres.
Lei prevê penalidades para médicos e pacientes, afirmou Marlène Schiappa, ministra adjunta da CidadaniaFoto: Laurent Zabulon/abaca/picture alliance

Uma proibição que não resolve o problema

"O governo está agindo sem nenhuma pesquisa ou estudo sobre o assunto", diz Celine Piques, porta-voz da Osez le feminisme (Ousem o feminismo), uma das associações feministas mais importantes da França. Para o coletivo francês, a proibição dos certificados de virgindade não é a solução. Ghada Hatem também vê a proibição como um possível agravamento da situação para as mulheres que necessitam do certificado. Sanções para os médicos não resolveriam o problema, e sim o deslocariam, apenas. 

Tal opinião é compartilhada por Celine Piques, para quem "a lei pode ser até contraproducente, já que pode acabar minando a relação de confiança entre médico e paciente". Com a introdução da lei, as mulheres em questão ficarão privadas da oportunidade de evitar conflitos na família, ao tempo que, com o certificado, muitas teriam a chance de se proteger contra a violência. No entanto, a lei não será capaz de proteger as mulheres. No fim, elas seriam abandonadas e não teriam mais a oportunidade de confiar em uma pessoa de fora, como um médico.

Educar em vez de punir

As jovens que necessitam de tais testes vêm de famílias muçulmanas. Para Ghada Hatem, a mentalidade das pessoas não será alterada por uma lei e a proibição resultante. "Temos que garantir que os pais internalizem o fomento e o respeito pelos direitos das mulheres e que isso transcorra para a formação de suas filhas", enfatiza.

Para Celine Piques, o governo teria que abordar o problema de forma muito diferente. "Precisamos ser capazes de proteger as jovens que estão expostas à violência e a ameaças de suas famílias por não serem virgens e oferecer a elas abrigos de emergência".

Ghada Hatem continuará à disposição para aquelas que procuram ajuda. Se a lei entrar em vigor, ela planeja relatar ao Ministério Público todos os casos em que meninas e mulheres jovens estejam em perigo aparente.