No final de setembro, um grave ataque com faca contra transeuntes em frente ao antigo prédio do jornal satírico Charlie Hebdo em Paris sinalizou que, depois de alguns meses de calmaria, o espectro do islamismo violento voltou a assombrar a França.
Após esse episódio, no início de outubro o presidente Emmanuel Macron fez um discurso há muito planejado para anunciar um novo impulso no combate à violência islâmica. Foi uma fala equilibrada, sem retórica de direita ou mesmo islamofóbica. Mas, com a França acumulando 240 mortes em ataques de origem radical islâmica nos últimos cinco anos, Macron sabe o que está enfrentando.
O horrível assassinato do professor Samuel Paty na semana passada provou mais uma vez que um movimento clandestino islâmico se espalhou na França, e que ele até agora tem sido capaz de escapar aos olhos e aos braços do Estado. "Separatismo islâmico" é como Macron classificou o fenômeno que se espalhou desde o ataque ao World Trade Center em 2001 e ainda mais com a ascensão do "Estado Islâmico" (EI) e de governos islâmicos autoritários no Oriente Médio.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan – que abusa da religião como instrumento de opressão e manutenção do poder –, é um deles, mas há muitos outros. Aqui, como já ocorria antes, os assassinos encontram proteção e apoio ideológico. Com sua nova postura dura contra as ações agressivas de Erdogan no Mediterrâneo oriental, o presidente Macron demonstra como encara o contexto global.
No entanto, ele tem que travar essa luta principalmente em solo francês. Muito do que o governo está fazendo agora tem a abordagem certa: garantir que o treinamento de pregadores muçulmanos ocorra em solo francês, assegurar escolaridade obrigatória para crianças muçulmanas, agir para deportar radicais islâmicos e estender um controle estrito sobre associações culturais que toleram pregadores violentos em suas fileiras.
Ninguém deve falar em "islamofobia" na França agora, já que essas casas de oração e organizações tiveram muitos anos para rever sua tolerância ou apoio à violência entre seus seguidores.
Rigor político
No entanto, o rigor político é apenas um meio contra a violenta sociedade islâmica paralela que se desenvolveu nas cidades francesas e entre alguns imigrantes. Na melhor das hipóteses, pode alcançar sucessos de curto prazo e tranquilizar os eleitores.
Observadores de todas as matizes políticas na França sabem que o problema é muito mais profundo. O presidente abordou abertamente duas das causas: o passado colonial não processado do país, especialmente a Guerra da Argélia, e a miséria social e econômica nos subúrbios.
O próprio Estado francês criou esses guetos e tem culpa pelo "separatismo" que ali se desenvolveu. Eliminá-lo levará gerações. E isso não funciona apenas com pressão. É preciso dinheiro, treinamento, moradia e infraestrutura – a lista é interminável.
Há 25 anos, o filme O ódio causou furor ao explicitar a realidade dos moradores dos subúrbios. Neste ano, Les Misérables, seu sucessor, chegou às telas, e a França burguesa ficou chocada ao ver quão pouco essas regiões mudaram.
Essa será uma tarefa e tanto para Macron, que deve se candidatar à reeleição em pouco mais de um ano. Ele bem que poderia iniciar imediatamente um exame honesto do passado. Isso pode vir a custar-lhe votos da direita, mas seria uma tarefa historicamente importante para um presidente de padrões históricos tão elevados.
Paciência e persuasão
O rígido secularismo do Estado francês, com a exclusão total da religião das funções públicas, também contribui para a intensidade dessa disputa.
Por um lado, o governo exige acertadamente que a população muçulmana se submeta às leis e normas do país. Por outro lado, quase não dá espaço para expressão religiosa. Talvez a classe política na França deva se questionar se a reverência às suas tradições seculares ainda constitui uma base sólida numa realidade multiétnica e multirreligiosa.
Por outro lado, há o fracasso do islã organizado na França. E o número de vítimas do terrorismo islâmico nos últimos anos afasta qualquer desculpa. Existem pregadores admiráveis no país que lutam pela tolerância. Ma há também o florescimento nas sombras de salafistas e outros linhas-duras que continuam a pregar a violência contra os "infiéis". Uma rápida olhada nas redes sociais dos envolvidos no assassinato do professor Samuel Paty é capaz de fazer o sangue congelar de horror.
O presidente Macron precisará de paciência, persuasão, dureza e flexibilidade se quiser ganhar algum terreno nesta luta. Ele não pode realmente vencê-la. Isso porque a França se afastou dessa camada da sociedade por muito tempo. No final das contas, é preciso mais do que um chefe de governo. Isso também significa que a sociedade civil da França deve finalmente enfrentar os erros do passado.
Barbara Wesel é jornalista da DW. O texto acima reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.