Migração
7 de outubro de 2010Calais fica no ponto mais estreito do Canal da Mancha, ou seja, o trecho mais próximo entre a Europa continental e o Reino Unido – o Estreito de Dover ou Passo de Calais.
Em um sábado, na hora do almoço, 150 imigrantes esperam em frente a uma igreja de Calais. Cada um com sua senha, em fila. Eles aguardam ali, na esperança de conseguirem roupas, sapatos, cobertores ou até mesmo uma simples toalha – donativos dos moradores da cidade, distribuídos por uma organização britânica de ajuda humanitária, a Solidariedade aos Imigrantes de Calais.
Um dos funcionários da organização, de nome Jo, revida as declarações das autoridades francesas de que não há mais problemas com refugiados na cidade. "Não existe mais aquele grande acampamento, a 'Selva', mas agora há vários pequenos acampamentos nos arredores de Calais, um de sudaneses, de afegãos, de curdos etc", relata Jo.
Dissolução recente
Há um ano, a polícia dissolveu o grande acampamento conhecido como "Selva", no qual 800 migrantes esperavam diariamente por uma chance de cruzar o Canal da Mancha, a partir de Calais, rumo à cidade britânica de Dover. Por ocasião do fechamento, 300 migrantes foram detidos, sob os olhares atentos da opinião pública.
Transcorridos meses, o interesse sobre o assunto diminuiu, embora centenas de pessoas provenientes da Ásia Central e da África continuem chegando a Calais. Eles pagam aos "traficantes" valores entre 2 e 5 mil euros por essa viagem arriscada. Ou seja, um negócio rentável para os criminosos responsáveis pelo tráfico humano.
Em junho e agosto deste ano, forças policiais britânicas e francesas flagraram dois bandos de traficantes, que haviam trazido imigrantes ilegais do Sri Lanka (antigo Ceilão) e do Vietnã para a França, através dos Bálcãs.
"Movimentos absurdos"
Jo, da organização Solidariedade aos Imigrantes de Calais, conta que a polícia da cidade não detém mais os imigrantes, a fim de enviá-los mais tarde a seus países de origem. A atual estratégia, segundo ele, é maltratar esses imigrantes de tal forma que eles resolvam seguir caminho por vontade própria.
Muitos deles se deslocam para a vizinha Dunquerque, onde se reúnem, relata Pascal Fruily, outro ajudante voluntário. "Sendo assim, o governo pode naturalmente dizer que não há mais refugiados em Calais, mas isso não resolve o problema. As pessoas continuam a ser levadas de um lado para o outro. Para Dunquerque ou Boulogne. Isso é totalmente absurdo", completa Fruily.
"Terra prometida"
Afram, que é natural de Eritreia, nega-se a contar como chegou a Calais. Ele já esteve uma vez no Reino Unido, mas foi deportado. Depois disso, entrou com pedido de asilo na Itália e está de novo na cidade portuária francesa, na tentativa de conseguir cruzar o Canal da Mancha pelo túnel ferroviário.
"Estou fazendo isso porque a Inglaterra é um bom país para os imigrantes. Os hospitais são bons, há ajuda social e casas. Na Inglaterra, tudo é bom. Tenho amigos lá. Se eu conseguir os papéis, vou trabalhar. Não somos criminosos e nem usamos drogas, rezo sempre", diz o eritreu.
Críticas do Conselho da Europa
Quando escurece, os migrantes costumam seguir até a região portuária de Calais, onde costumam escalar, na calada da noite, a carroceria de algum caminhão, onde tentam se esconder. Os caminhões cruzam em trens o Canal da Mancha através do túnel que liga a França ao Reino Unido.
Jo diz ficar compadecido com a situação desses imigrantes, pois a maioria deles tem uma ideia absolutamente errônea daquilo que os espera na Inglaterra. "Alguns já passaram por caminhadas pelo Deserto do Saara, outros enterraram amigos no percurso até aqui e muitos venderam seus pertences, inclusive suas casas, em seus países de origem. Eles perderam tudo, estão famintos e cansados. Todos acham lindo ir para o Reino Unido. O que devo dizer a eles?", questiona o funcionário da organização de ajuda humanitária.
Após visitar o acampamento de Calais, Thomas Hammarberg, encarregado de questões ligadas aos direitos humanos no Conselho da Europa, conclamou oficialmente o ministro francês do Interior, Eric Besson, a procurar uma forma de sanar o problema.
Segundo Hammarberg, há necessidade urgente de melhorar não apenas os alojamentos para essas pessoas, mas também de rever os procedimentos de pedido de asilo e deportação. O Conselho da Europa congrega 47 países e atenta, independentemente da União Europeia, para a observação dos direitos humanos no continente.
Autor: Bernd Riegert / Nik Martin (sv)
Revisão: Carlos Albuquerque