Luta frustrada
8 de janeiro de 2012"Uma vida melhor para todos" era o slogan do Congresso Nacional Africano (CNA) durante as primeiras eleições democráticas da África do Sul, em 1994, quando o Partido Nacional só para brancos foi empurrado para fora do poder. Criado no dia 8 de janeiro de 1912, o CNA havia nascido com o objetivo de "aproximar todos os africanos como um só povo, a fim de defender seus diretos e liberdades", segundo sua página na internet.
Hoje, 18 anos depois após a ascensão ao poder, o slogan mostra-se vazio. Os únicos sul-africanos que realmente desfrutam de uma "vida melhor" são os 3 milhões integrantes da classe média negra – apenas 6% da população de 49 milhões de habitantes.
Aproximadamente 40% da população vive abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com menos de 50 euros por mês. É enorme o contraste entre os impérios empresariais dos ativistas do CNA – como a Tokyo Sexwale ou Cyril Ramaphosa, em ramos que vão da mineração à fast food – e as massas que vivem em favelas como Alexandra, nos arredores de Johanesburgo.
É uma máxima já bastante conhecida na África do Sul que, para obter sucesso em seu negócio, é preciso ter um cartão de integrante do CNA. Os estatutos do partido o equiparam com amplos direitos civis. Por exemplo, metade dos membros do poderoso Comitê Executivo Nacional (NEC, do inglês) precisa ser composta por mulheres. Até mesmo o Comitê Nacional do Trabalho, incumbido de colocar as resoluções do NEC em prática, tem uma cota de participação feminina de 50%.
Mas é aí que a democracia interna termina abruptamente. Uma pesquisa realizada pelo semanário sul-africano Mail & Guardian revela que um terço de todos os membros do NEC já foi condenado por crimes ou investigado por suspeita de atividades criminosas – em muitos casos, relacionadas à corrupção.
Mas, de volta a 1994, membros do CNA – que até 2008 ainda constavam da lista dos EUA de terroristas suspeitos – embarcaram num ambicioso programa de redistribuição de riqueza, com o intuito de criar empregos e moradia digna para a maioria da população negra, que vinha sendo discriminada durante décadas pelas regras da minoria branca. Quase 3 milhões de unidades residenciais foram então construídas.
Desde o começo porém, o programa, ficou ofuscado pela corrupção. A política de ação afirmativa, sob a qual a cor da pele dava prioridade na qualificação para preenchimento de vagas de emprego, causou um impacto desastroso na administração governamental e na economia. Empregos eram entregues como uma recompensa por serviços prestados.
Falta de habilidade
O economista político Moeletso Mbeki, irmão mais novo do ex-presidente Thabo Mbeki, disse certa vez que a antiga administração dominada por brancos havia sido removida e substituída por pessoas sem a capacidade e experiência devidas. Moeletso é um dos críticos mais ferozes do Congresso Nacional Africano. Ele diz que o partido simplesmente não possui a habilidade administrativa mínima necessária. Seus ataques foram tão veementes, que jornalistas da emissora estatal SABC receberam orientação para não citá-lo – uma interpretação bem questionável do princípio da liberdade democrática de expressão, partindo, justamente, de defensores da liberdade.
O presidente Jacob Zuma não é o único em pé de guerra com a imprensa. Políticos do CNA adoram usar a mídia em suas batalhas internas, dentro do do partido. Mas eles ficam bem menos entusiasmados, quando os repórteres partem para investigar a corrupção.
No momento, líderes do partido passam mais tempo em audiências disciplinares do que em encontros de gabinete. A antiga disputa entre o ambicioso Julius Malema, presidente da Liga Jovem do CNA, e o presidente Jacob Zuma, ainda é um duro teste para a coesão da legenda.
Especialista em África do Sul da organização alemã Informationsstelle Südliches Afrika, Hein Möller, avalia que o CNA não tem motivos para celebrar seu aniversário. Em sua opinião, o movimento de libertação mais antigo do país não tem mais credibilidade desde 1996, e sua política econômica é um equívoco, assim como suas tentativas de corrigir injustiças sociais.
"A África do Sul não criou um país cor-de-rosa", disse Möller, dando voz aoS pensamentos de vários outros ativistas europeus antiapartheid que, duas décadas após o fim da divisão racial, ainda não viram sua luta por igualdade ser recompensada.
Luta frustrada
Ainda mais pesadas para os apoiadores do presidente Zuma, são as críticas que vêm de dentro de seus próprios quadros. Falecido no ano passado, Kader Asmal, intelectual respeitado e próximo de Nelson Mandela, deixou a política em 2008. Ele era árduo crítico da draconiana Information Bill, também chamada Secrecy Bill – legislação proposta para regular as informações de interesse do Estado.
O ativista antiapartheid Denis Goldberg também deixou a política em 2004. Ele passou 22 anos na prisão por causa de sua campanha contra os regulamentos da minoria branca no país. "Se eu tivesse assumido um posto no governo do CNA e dito 'vamos acabar com essa besteira', eles teriam me jogado para fora cedo ou tarde", afirma Goldberg. Ele vê o partido atualmente como um "meio para ficar rico" – exatamente "o oposto daquilo por que lutamos".
O primeiro zulu num partido dominado pelos Xhosa, o presidente Zuma é acusado de ser um líder muito imprevisível e tolerante demais. Apesar de ter levado a África do Sul a fazer parte do chamado BRICS – também composto pelos emergentes Brasil, Rússia, Índia e China – e de ter alcançado um certo nível de sucesso como mediador de crises na África, ele está se tornando um fardo para seu país. Suas infindáveis relações extraconjugais o têm prejudicado politicamente. Ele só demonstra iniciativa sob pressão, como, por exemplo, quando demitir dois ministros e do chefe da polícia no fim do ano passado.
Zuma disse certa vez que o CNA iria governar a África do Sul até o retorno de Jesus. Muitos sul-africanos frustrados devem estar aguardando o Segundo Advento ansiosamente.
Autor: Ludger Schadomsky (msb)
Revisão: Augusto Valente