Herança da Copa
4 de janeiro de 2012Enquanto o Brasil se prepara para receber a Copa do Mundo de 2014, a África do Sul até hoje não conseguiu resolver um problema criado na fase preparatória ao evento esportivo.
Na Cidade do Cabo, uma das sedes da Copa de 2010, um assentamento de caráter provisório foi criado em 2008 para, segundo o governo local, abrigar emergencialmente cerca de 650 pessoas que ocupavam de forma ilegal casas construídas pela administração federal e que foram despejadas. Hoje há 1.452 famílias no local, que pode abrigar até 1.667, diz o governo.
Mas os moradores têm uma outra versão. "O governo temia que os turistas vissem como as pessoas aqui vivem, sob quais condições. Isso o governo tentou evitar de todas as maneira. Um pouco antes da Copa houve uma grande limpeza. O governo não queria que os turistas vissem os moradores de rua, as pessoas que viviam em barracos", denuncia Bern.
A sul-africana classifica como deplorável a situação de vida no assentamento provisório, conhecido popularmente como Blikkiesdorp. Antes de ter sido levada para o assentamento com o marido e a filha, Bern diz que morava num barraco construído pela própria família numa rua de grande circulação.
Protesto e más condições de vida
Os moradores tentam se articular num movimento de protesto, com o lema "Sem país, sem casa, sem voto". Gofi Makepe, sul-africano de 22 anos, faz parte do protesto: antes da Copa do Mundo ele e sua família foram assentados em Blikkiesdorp.
"Por que deveríamos votar se não temos sequer um lugar apropriado para morar? Não se pode chamar Blikkiesdorp de moradia. As casas são muito pequenas e feitas com uma chapa de metal tão fina que um abridor de lata pode rompê-las. Além disso, quatro famílias dividem um banheiro", relatou Makepe. Os moradores dizem que só voltarão a votar quando tiverem uma moradia adequada. O país realizou eleições municipais em dezembro.
Blikkiesdorp está localizado nas proximidades do aeroporto da Cidade do Cabo. Os cubos de metal de cor prata, usados como alojamento de emergência, estão alinhados em longas fileiras. Construído em local arenoso, o assentamento tem vias cheias de sacos de lixo que viram brinquedos para as crianças.
As placas de metal dão forma à moradia improvisada, que não tem o piso coberto. Até 15 pessoas dividem o espaço de 18 metros quadrados: elas convivem com o calor praticamente insuportável do verão e, no inverno, a água se acumula nos cubos metálicos.
Longa espera
Blikkiesdorp foi planejada como um alojamento emergencial de curto prazo. Atualmente, o local funciona como uma espécie de moradia duradoura de refugiados administrada pelo governo – e o número de ocupantes cresce diariamente.
A lista de problemas também é longa: arrombamentos são cotidianos e gangues têm o domínio do local. Segundo a lei sul-africana, os cidadãos que foram levados para Blikkiesdorp têm direito à moradia. Eles aguardam numa lista do governo a aquisição de uma casa própria e dividem, com outros milhões de sul-africanos registrados no mesmo banco de dados, a expectativa da espera, que pode ainda durar anos.
Autores: Jörg Poppendieck / Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler