Ute Lemper canta poemas de amor de Pablo Neruda no Brasil
21 de outubro de 2013Versatilidade é a marca da atriz, bailarina e cantora alemã Ute Lemper. No cinema, ela atuou em filmes de Robert Altman e Peter Greenaway. No teatro, foi premiada na montagem de musicais como Chicaco e Cats. No entanto, a alemã nascida em Münster, e que atualmente vive em Nova York, brilha nos palcos como intérprete.
Exposta à música desde pequena, sua mãe era cantora de ópera, ela se afastou da música clássica para se aventurar pelo jazz e a música popular. Seu estilo é associado ao do compositor alemão Kurt Weill. "Na minha idade, me defino como cantora e compositora. Uma artista com uma história em dança e com um instrumento: minha voz. Tudo isso se junta e define minha presença no palco", disse a cantora em conversa com a DW Brasil.
Embora seu catálogo inclua uma série de álbuns onde interpreta os gêneros chanson e cabaret, sua discografia é extensa e variada, incluindo até um álbum pop, Crimes of the Heart, lançado em 1991. "Estou vivendo meu sonho, uma realidade que carrega muita responsabilidade, experiências que acumulei durante anos e trabalho. Tudo que eu faço requer absoluta dedicação. Meu caminho é um caminho de evolução musical, pessoal e artística", afirmou Lemper.
Chanson sul-americana
Essa não foi a primeira vez que a cantora se aventurou a musicar poesias para o palco. "Há três anos, realizei um projeto onde transformei 15 poemas de Charles Bukowski em canções. Foi uma fantástica experiência. Inspirada por outro show que eu fiz cantando Piazzolla, que apresentei ao redor do mundo, e em especial na América do Sul e colaborações com músicos sul-americanos, me levaram a esse novo projeto", revelou.
Ela escolheu os poemas de amor de Neruda por eles serem "compactos, apolíticos, sensuais e dialéticos. Perfeitos para serem musicados, pois já carregam música em seus versos."
Mas seu interesse em Neruda vai além da musicalidade impressa em suas palavras. "Amo seu legado, como político, diplomata e especialmente como poeta. Em sua longa luta contra o fascismo, ele passou muitos anos exilado na Europa, Argentina e México. Neruda teve um enorme diálogo cultural com o mundo e expressa em sua poesia suas questões, sua dores e, é claro, amor", explicou a alemã.
Segundo a artista, "foi um prazer transformar essas frases em melodias e estruturas harmônicas". Ela colaborou com o argentino Marcelo Nisinman, mas também compôs sozinha parte das músicas do espetáculo.
"Eu queria dedicar essas músicas a experiência da chanson, da melhor maneira que eu conheço, com pérolas de Jacques Brel e Edith Piaf e, é claro, fui muito influenciada por Astor Piazzolla. Foi um dos projetos mais bonitos nos quais já me envolvi", disse Ute Lemper, que adora cantar em espanhol, apesar de dizer que não fala bem a língua. "É um idioma muito bonito e ligado à terra, uma língua cheia de poesia para cantar".
A artista passou os últimos 12 meses trabalhando no projeto, que foi gravado em março e teve apenas poucas apresentações, na Inglaterra, Itália e Austrália, onde o álbum já foi lançado e alcançou a primeira posição na parada de clássicos. O disco, que tem participação de Freddy Torrealba e de um quarteto de cordas, deve sair no resto do mundo no começo de 2014.
Missão com o diálogo
"Procuro uma história em tudo que faço e interpreto. Atraio-me por escritores com uma missão especial. Minha missão é sempre reabrir o dialogo sobre a complicada história do meu país. As dores criadas com o Holocausto e o terrível período nazista inspiram meu trabalho a discutir o período da República de Weimar e a queda daquela grande revolução cultural através dos crimes nazistas. Suporto incondicionalmente a liberdade de expressão, a arte e a poética da palavra como ato de libertação", disse Lemper, que vê o projeto Neruda como uma continuação dessa missão.
A experiência do fascismo na Europa é também parte do legado de Neruda. "Ele se tornou um comunista depois que [Federico García] Lorca foi assassinado na Espanha. As experiências dele com a opressão inspiraram seu trabalho, da mesma maneira que a repressão nazista inspirou Brecht e os artistas da República de Weimar", comparou a artista.
Lemper vem ao Brasil acompanhada de uma banda formada por violino, bandolim, baixo, guitarra e percussão. Um grupo que serve como suporte para a cantora potencializar ao máximo sua voz, presença de palco, dramaticidade e principalmente, os novos arranjos feitos especialmente para as palavras de Neruda.
"Contar essas histórias de vida, amor e perda é uma experiência quase espiritual. Sentir a energia de todas essas pessoas na plateia é mágico, algo muito poderoso. Adoro me apresentar ao vivo e especialmente os momentos de silêncio, onde posso sentir sua espiritualidade na sala de espetáculo", concluiu a cantora.
"Ute Lemper canta poemas de amor de Pablo Neruda" nessa terça-feira (22/10) na Sala São Paulo na capital paulista.