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Três histórias de como a guerra desenraíza a vida na Ucrânia

Esther Felden
11 de março de 2022

A parlamentar Inna enviou seu filho para uma cidade mais segura, mas seguiu em Kiev. Victor, especialista em TI, levou esposa e filhas para fora de Kharkiv, e retornou sozinho. Yurii passou dias com a família na estrada.

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Mulher olha pela janela de trem e acena
Segundo a ONU, mais de 2 milhões de pessoas já fugiram da Ucrânia. Número de deslocados internos também não para de crescerFoto: Chris McGrath/Getty Images

Inna Sovsun está em constante movimento. Neste momento, sentada com seu laptop em uma casa perto de Kiev, ela conversa com jornalistas enquanto tropas russas se aproximam cada vez mais da capital ucraniana. Enquanto combates violentos ocorrem em subúrbios como Irpin, balas zunem e bombas caem sobre casas. Às vezes, ela continua falando mesmo quando ouve o alarme de ataque aéreo. 

Falar é agora sua missão.

De manhã até a noite, a parlamentar ucraniana dá entrevistas – ela fala inglês fluente, estudou na Suécia e viveu nos Estados Unidos. Agora, ela explica a guerra em seu país para a mídia do Ocidente. E faz um pedido urgente de ajuda. "As sanções, até agora, não são suficientemente duras", diz. "Estamos pedindo um embargo comercial completo. Sanções que paralisem a economia russa para que não haja mais dinheiro para comprar armas." Ela quer dizer boicotar o petróleo, o gás e o carvão da Rússia.

Prédio destruído por bombardeio.
Irpin fica a apenas 20 quilômetros de Kiev e foi palco de combates violentosFoto: Getty Images

Inna Sovsun tem uma cadeira no Parlamento pelo partido liberal e pró-europeu Golos Zmin. Ela parece cansada durante a entrevista via Zoom à DW. Nas últimas duas semanas, ela mal dormiu três horas por noite. Atualmente, ela vive com amigos que têm uma boa conexão de internet e seu próprio porão – ela não tem um em seu apartamento em Kiev. Inna não sabe quantas vezes teve que procurar abrigo no porão, e já parou de contar. A cada algumas horas, diz, há um alarme.

É terça-feira, o 13º dia da guerra, quando a DW consegue falar com ela. Inna Sovsun não vê seu filho, de 9 anos de idade, desde que o ataque russo começou. Ela o tirou de Kiev como precaução, e ele está com o pai no oeste do país, onde é mais seguro neste momento.

Para ela, fugir da capital estava fora de questão. O lugar dela agora é aqui. Também e especialmente para seu filho. Ele é a sua motivação para lutar com todas as suas forças pelo futuro do país. Quando ela falou com ele ao telefone pela primeira vez após a separação, ele lhe perguntou: "Mamãe, quando nos veremos novamente?" Então ela apenas chorou.

Fugir de Kharkiv e voltar

No caso de Victor, é a filha do meio de seus três filhos com quem ele mais se preocupa. A menina de 12 anos às vezes fica desesperada de medo. A irmã mais velha aparenta ser muito calma. E a mais nova, de apenas 6 anos, ainda não entende muito bem o que está acontecendo.

A DW está em contato com Victor desde o início de março. Ele envia mensagens curtas via WhatsApp todos os dias, sempre que ousa sair do porão ou ir para o pátio e tem sinal no telefone celular.

A família vive com um cão e dois gatos na sitiada Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, no nordeste do país. Victor é um especialista em TI, e a família tem sua própria casa.

Devastação na Praça da Liberdade de Kharkiv após o ataque de 1º de março
Devastação na Praça da Liberdade de Kharkiv após o ataque de 1º de marçoFoto: Ukrainian State Emergency Service/REUTERS

Às 8h do dia 1º de março, um míssil de cruzeiro destruiu o prédio da administração regional na Praça da Liberdade, em Kharkiv. Menos de 10 minutos depois, uma segunda explosão fez tremer o centro da cidade. Victor e sua família puderam ouvir e sentir os impactos, sua casa fica a apenas cerca de quatro quilômetros de distância.

A região ao redor de sua casa seguiu relativamente calma, ele escreve no dia seguinte ao ataque. Mas, por dentro, é corroído pelo medo de que possam ser atingidos a qualquer momento. "É um ato de equilíbrio constante entre ir e ficar. Neste momento, sentimos que é mais seguro aqui embaixo em nosso porão do que em algum lugar na rua."

Os pais tentam oferecer um clima de normalidade para as crianças sempre que podem. No porão, eles criaram o ambiente mais confortável possível. As crianças têm livros e podem jogar jogos em seus telefones celulares, tablets e laptops. "E nós também temos doces para distraí-los."

Mas as constantes explosões os estão desgastando. Nesta segunda-feira, a família finalmente decidiu deixar Kharkiv por causa dos pesados ataques aéreos. Eles se tornam refugiados em seu próprio país e viajam de ônibus para a cidade de Poltava, a quase 150 quilômetros de distância. Ali, encontram alojamento em um apartamento temporário. Victor, no entanto, só fica por uma noite. Ele logo embarca em um trem de volta para Kharkiv. "Quero me juntar aos voluntários."

Separar-se de sua esposa e três filhas tem sido difícil, diz ele. "Mas nós acreditamos piamente que nos encontraremos novamente em breve." Victor quer fazer algo, quer entregar água e comida para as pessoas que ainda estão em Kharkiv e não conseguem se sustentar. Ele quer remover os escombros. Será que ele não tem medo? "Não", responde de forma sucinta.

Mudança para a região dos Cárpatos

Yurii também deixou Kharkiv, junto com sua esposa e sua filha de 17 anos. Eles rodaram de carro por vários dias, diz. A casa onde moravam ainda está de pé, mas muitos edifícios nas proximidades foram destruídos, inclusive a casa ao lado, atingida pouco depois que eles saíram.

O destino da família é uma pequena cidade na região montanhosa dos Cárpatos. O empregador de Yurii alugou um quarto de hotel lá para eles. "Chegamos. Aqui não há bombas", ele escreve em 7 de março. Pela primeira vez desde que a guerra eclodiu, ele conseguiu dormir a noite inteira.

"Temos sorte de ter saído de Kharkiv ilesos. E meu empregador pagou o quarto por duas semanas." Para o período em seguida, o proprietário do hotel fez uma oferta generosa à família. "Ele sugeriu que nos mudássemos para sua casa particular, em um vilarejo aos pés das montanhas". E o proprietário não cobrou nada por isso. "Nós aceitamos, é claro."

Na verdade, Yurii também preferiria voltar para Kharkiv. "Se isso será possível, só o tempo dirá." Deixar seu país por completo é algo que ele mal pode imaginar. "Eu amo a Ucrânia." 

Ele e Victor nem teriam permissão para sair do país neste momento. Todos os homens recrutados devem ficar para apoiar o exército em caso de necessidade e defender sua pátria com armas.

Homens vasculham escombros de edifício.
Civis em Kharkiv sofrem com os ataques aéreos em cursoFoto: Ukrainian Emergency Service/AP Photo/picture alliance

Yurii mal aguenta ver a sua cidade natal ser cada vez mais reduzida a escombros a cada dia que passa. Ainda assim, ele não consegue entender por que tantas pessoas no país estão desapontadas ou bravas por causa da negativa da Otan em criar uma zona de exclusão aérea, que o presidente ucraniano Volodimir Zelenski continua pedindo. "Sei que esta não é a guerra de vocês. Cada governo tem que cuidar primeiro de seus próprios cidadãos", diz Yurii. 

Ele sente muito apoio vindo de todo o mundo, diz. "Nós venceremos. Vamos fazer isso com nossas próprias forças."

Decepção com o Ocidente

"Ainda estamos de pé", Victor escreve por WhatsApp, a partir de Kharkiv. Ao contrário de Yurii, ele está profundamente desapontado com o Ocidente. "A incapacidade da Otan de estabelecer uma zona de exclusão aérea ou pelo menos nos equipar com armas modernas de defesa aérea me deixa irritado."

O tom de Inna Sovsun também fica enérgico quando trata dessa questão. "A Ucrânia desistiu de suas armas nucleares em 1994 porque o Ocidente nos assegurou que nos daria uma garantia de segurança. Mas tudo o que temos agora é uma desculpa sobre por que isso não é possível", disse. "Enquanto isso, os russos continuam a lançar bombas sobre nossas cabeças."

Casa na cidade de Irpin em chamas após ataque russo em 4 de março
Casa na cidade de Irpin em chamas após ataque russo em 4 de marçoFoto: Oleksandr Ratushniak/AP/picture alliance

Analistas concordam que a Rússia se moverá para atacar a capital ucraniana nos próximos dias. O mínimo que a Ucrânia precisaria é de jatos de combate, diz Inna. "Precisamos desses jatos para poder bombardear as tropas russas do ar e garantir que Kiev não seja cercada."

Inna repete a sua exigência diversas vezes. Somente com a ajuda dos jatos, Kiev poderia ser defendida, e somente dessa forma a morte de muitos civis poderia ser evitada. "Eles estão planejando repetir em Kiev o que fizeram em Irpin. Havia ordens para atirar em civis. E eles farão o mesmo [aqui]."

O lado russo, por outro lado, mantém sua versão oficial de que apenas alvos militares estão sendo atacados. Mas há evidências de que alvos civis, como áreas residenciais e hospitais, foram atingidos diversas vezes. A Organização Mundial da Saúde divulga em seu site uma lista de hospitais danificados. Entre eles estão hospitais nas áreas de Kharkiv e Kiev, onde Victor, Yurii e Inna viviam em paz até 15 dias atrás.