Tribunal da ONU sofre de defeitos congênitos
17 de novembro de 2003O tribunal em Haia, na Holanda, estaria também com a sua autoridade ameaçada pelos acordos internacionais dos Estados Unidos com mais de 20 países para garantir impunidade a americanos, constatou o juiz Wolgang Schomburg. Ele é presidente da segunda câmara da corte da Organização das Nações Unidas (ONU) na Holanda há dois anos e se declara satisfeito com suas atividades de juiz penal.
Contudo, é muito crítico o balanço que ele faz dos dez anos de atuação do tribunal, criado pelo Conselho de Segurança Internacional em maio de 1993 especialmente para punir crimes de guerra e contra a humanidade cometidos no território da antiga Iugoslávia.
Schomburg atestou a tentativa de misturar o direito anglo-americano com o direito europeu como um dos defeitos graves de nascimento da corte, em funcionamento desde 17 de novembro de 1993. Na opinião do jurista de 55 anos, a intenção foi boa, mas não deveria ter sido implementada.
"Do ponto de vista da Europa continental, seguramente é muito difícil aceitar que se tenha uma promotoria pública sem controle, que não se submeta a instruções e que determina quais as provas materiais e em que processos devem ser apresentadas", criticou o juiz alemão. E sentenciou que o poder da suíça Carla del Ponte na chefia da promotoria é grande demais. Ele próprio não poderia quase influenciar um processo e muito menos acelerá-lo.
Ditador Milosevic
- Esse seria o motivo da duração demasiado longa dos processos. Como argumento para sua crítica, Schomburg apontou o processo contra o ex-ditador da Iugoslávia, Slobodan Milosevic, cuja fase de coleta de provas já se prolonga por mais de um ano e meio. Em função de tanta demora, aumentam as críticas à promotoria.Para Schomburg, seria também um erro imaginar que o tribunal em Haia está em condição de escrever história. Além do mais, na sua opinião, essa é uma tarefa para historiadores. A do tribunal seria encerrar um processo logo depois que tiver reunido provas graves e suficientes contra o acusado. "E quando se tem tais provas não se deve tentar cobrir tudo, correr do Kosovo para a Bósnia-Herzegovina e a Croácia, pois assim corre-se o risco de não se conseguir provar mais nada."
Em seus dois anos de atividade na segunda câmara, o juiz alemão ditou uma sentença histórica ao condenar o primeiro acusado sérvio da Bósnia, Milomir Stakic, à pena de prisão perpétua. Foi uma condenação consciente visando efeito de intimidação. Mas o berlinense acha que ainda não dá para reconhecer claramente uma linha do tribunal na imputação de penas.
EUA atrapalham
- Schomburg também criticou duramente a conduta dos Estados Unidos na criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) permanente, igualmente com sede em Haia. Washington assinou acordos bilaterais com mais de 20 Estados, os quais se comprometem a não entregar à nova corte cidadãos americanos que tenham cometido crimes de guerra, contra os direitos humanos ou contra a comunidade durante missão no exterior. O juiz alemão vê esses tratados como uma ameaça à capacidade de persuasão do tribunal da ONU no seus esforços para punir criminosos da antiga Iugoslávia."Como é que se vai convencer as pessoas na Sérvia, Croácia e Bósnia a entregar os seus compatriotas ao tribunal se, ao mesmo tempo, a superpotência mundial faz acordos para garantir impunidade aos americanos?", indagou Schomburg.
Guantánamo sem lei
- Ele garante, porém, não ter perdido a esperança de que talvez o governo americano ainda venha a ter compreensão com o direito penal internacional e com a corte da ONU em Haia. A despeito de todas as suas críticas aos erros estruturais do tribunal, Schomburg sustenta que ainda é dominado pela sensação de que os criminosos da ex-Iugoslávia serão punidos."E isto não pode, absolutamente, ser estragado agora por um Estado (EUA) que tenta, possivelmente no Iraque, regredir aos tribunais de Nurembergue e Tóquio ou, o que ainda é pior, criar uma zona sem lei como em Guantánamo", repreendeu Schomburg. Desde o ano passado, os EUA mantêm, na sua base em Cuba, mais de 600 supostos combatentes na guerra do Afeganistão e membros da organização Al Qaeda, de Osama Bin Laden. Não há processo formal contra esses prisioneiros e eles não dispõem de assistência jurídica.