Qual o impacto da denúncia contra Temer?
27 de junho de 2017Em fevereiro, Michel Temer prometeu afastar ministros que fossem eventualmente denunciados na Lava Jato. Foi uma reposta às acusações de que estaria protegendo figuras investigadas no âmbito da operação. Na última segunda-feira (26/06), o próprio presidente se tornou alvo de uma denúncia criminal, escancarando mais uma vez a que ponto chegaram as suspeitas sobre seu governo e levantando mais uma vez perguntas sobre sua capacidade de sobrevivência.
Desde que o escândalo revelado pela delação da JBS veio à tona, Temer vem afirmando repetidamente que não vai renunciar. "Nada nos destruirá, nem a mim nem a nossos ministros", disse Temer ontem.
Segundo especialistas europeus ouvidos pela DW Brasil, ainda é cedo para afirmar se Temer será ou não "destruído" pela denúncia formal, que marca o início de um trâmite semelhante ao de um processo de impeachment, em que os votos dos 513 deputados da Câmara terão o poder de decidir pela sobrevivência ou não do presidente.
Segundo o cientista político Kai Michael Kenkel, pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, a apresentação de uma denúncia envolvendo o próprio presidente "é um sinal de que há tempos a corrupção é endêmica na classe política brasileira, do subprefeito ao próprio cargo mais alto da República".
As chances de sobrevivência
Nas próximas semanas, o governo Temer deve se desdobrar para conseguir na Câmara pelo menos 172 votos para barrar a tramitação da denúncia. Apesar de o documento ser apoiado em provas técnicas, essa análise inicial pela Câmara será puramente política, em que o peso das provas conta menos do que a forma como os deputados encaram o governo. Segundo Kenkel, não seria surpreendente se Temer conseguisse se salvar.
"Até agora o Temer já resistiu a todo tipo de situação que teria há tempos levado um líder político um outro contexto ao impeachment e talvez à prisão. No sistema atual, sua sobrevivência vai depender da articulação política por trás dos panos e não do que prevê a lei. Os altos cargos da política brasileira são ocupados por (quase exclusivamente) homens especializados em interpretar e deformar as leis e as instituições em seu favor. Desta forma não me surpreenderia com nada, muito menos com o Temer conseguir sobreviver", afirmou.
Segundo o cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, as chances de Temer são fortalecidas pelo fato de que não existe um nome de consenso para substituí-lo. "Não se sabe quem poderá ser colocado no lugar e o que vai acontecer depois", disse. "É difícil dizer que se com Temer o Brasil chegou ao fundo do poço ou se tudo pode piorar ainda mais."
O significado para o sistema
Para Rauschenbach, o episódio todo tem pelo menos um ponto positivo: evidencia que existem mecanismos para processar um presidente e que eles podem ser usados. "A apresentação da denúncia contra um presidente é um mecanismo previsto na Constituição. O episódio demonstra que o sistema está funcionando de certa maneira e que Judiciário e o Ministério Público conseguem conservar independência", afirmou. Ele, no entanto, faz uma ressalva: "Mas como tudo no Brasil é mais complicado, também é sempre preciso ver o que há por trás de cada articulação do Judiciário, que muitas vezes parece movido politicamente, como no caso dos vazamentos."
Já Kenkel afirmou que não é possível afirmar que o sistema está de certa forma funcionando. "Sob outras circunstâncias, seria até possível dizer que uma denúncia formal é sinal de que há um resquício de instituições e uma imprensa livre funcionando no país. Porém nem isso podemos afirmar [...] quando o sistema não consegue sair de situações eticamente questionáveis por causa da ocupação de seus cargos-chave por outros denunciados e suspeitos", argumentou.
"O sentido de representatividade e responsabilidade se perdeu já há muito tempo. Desta forma a denúncia de Temer tem mais a ver com a constelação política imediata por trás dos panos do que com algum atributo do próprio sistema."
O efeito entre a população
Para Rauschenbach, caso a turbulência continue com ou sem Temer no poder, há risco de episódios graves no país. "Por enquanto as pessoas não estão indo à rua, mas isso pode mudar de uma hora para a outra, e dependendo de como isso se desenrolar, há risco de que a insatisfação se torne uma revolta generalizada, trazendo risco de violência". O professor afirmou que retórica incendiária de Temer sobre não deixar o poder ajuda a piorar a situação. "Ele não pode falar que nada será capaz de derrubá-lo. Existem mecanismos legítimos para tirar um presidente. Não é saudável quando ele usa esse tipo de retórica melodramática e absolutista", disse.
Kenkel opinou que o episódio da denúncia não deve piorar a avaliação que o brasileiro faz do sistema político porque já não restava muito para perder a confiança. "A confiança do povo brasileiro no sistema político já foi embora há muito tempo, infelizmente. O povo percebe a pilhagem e a desfaçatez da classe política. Mas o povo também sabe que é refém do próprio sistema e que não possui a real possibilidade de tirar a geração atual de políticos, comprometidos até o pescoço, do lugar", afirmou.
A imagem do Brasil
Ambos os especialistas afirmam que apesar da nova onda de noticiário negativo sobre o sistema político brasileiro que foi inaugurada com a denúncia contra Temer, os danos à imagem do Brasil já estavam firmes antes do novo episódio. Não há como piorar muito o que já era ruim.
"A ficha já caiu no exterior. A imagem positiva produzida no exterior nos anos Lula já se esvaiu há tempos. Será preciso muito tempo para recuperar a forma como o país era visto", disse Rauschenbach.
Kenkel concorda. "O público internacional já está relativamente bem informado sobre a situação de falta de credibilidade da liderança do país. Esta notícia pode aumentar a notoriedade da classe política, mas o quadro básico já é sabido. Percebo nos interlocutores internacionais uma certa falta de compreensão sobre por que o funcionamento de um sistema democrático representativo não provocou ainda a renovação radical dos mandatários. Será por que a democracia brasileira não se defende contra quem está agindo contra seus interesses, mas sim para defender essas próprias pessoas que agem assim?"