Por que a Alemanha hesitou em enviar tanques à Ucrânia
25 de janeiro de 2023Depois de semanas de hesitação, o governo da Alemanha cedeu à pressão crescente de aliados e também de parte da população ao anunciar oficialmente nesta quarta-feira (25/01) o fornecimento à Ucrânia de 14 tanques de guerra do tipo Leopard 2A6, fabricados no país e disponíveis no arsenal da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs). Berlim também permitirá que outros países que possuem esses blindados enviem o equipamento a Kiev.
Com os tanques de combate alemães, considerados os melhores do mundo em sua categoria, a Ucrânia espera aumentar a eficácia de sua defesa contra as tropas invasoras da Rússia, além de furar os bloqueios russos no leste do país, especialmente no corredor do Donbass, e assim reconquistar territórios ocupados por Moscou em 11 meses de conflito.
Num possível sinal do fim de um imbróglio que durou semanas, Berlim já havia encorajado nesta terça-feira seus aliados a começar treinamentos com tropas ucranianas para usar os blindados.
A decisão desencadeou anúncios de outros países sobre o envio de tanques. Segundo o jornal americano The New York Times, os Estados Unidos deverão enviar entre 30 e 50 tanques de combate Abrams à Ucrânia, revertendo uma decisão anterior.
Pressão internacional sobre a Alemanha
Numa mudança de postura , diversos países ocidentais prometeram enviar mais ajuda militar e equipamento pesado ao país nas últimas semanas.
A relutância em fornecer armas pesadas à Ucrânia se deve a temores de envolvimento na guerra ou de provocar a Rússia, que é uma potência nuclear.
O pioneiro da virada foi o Reino Unido, primeiro país a enviar armas letais à Ucrânia. O governo britânico se tornou na última semana o primeiro a anunciar que fornecerá tanques de combate de fabricação ocidental a Kiev – os blindados Challenger 2 –, além de novos sistemas de artilharia.
Segundo o semanário Der Spiegel, a França vê o papel da Alemanha como crucial para acelerar de forma decisiva a ajuda ocidental para a Ucrânia. Já os países bálticos (Estônia, Lituânia e Letônia) se enxergam como os maiores porta-vozes da Ucrânia na Europa. Por não possuírem blindados próprios, pressionam pelo envio de equipamentos ocidentais à Ucrânia. Para o ministro do Exterior da Estônia, Urmas Reinsalu, "tanques e outros armamentos pesados alterariam significativamente o cenário no campo de batalha".
A Ucrânia e diversos de seus aliados – com destaque para a Polônia – vinham pedindo a liberação do fornecimento dos tanques Leopard por Berlim, ou que o próprio governo do chanceler federal Olaf Scholz decidisse mandar os tanques para o front. Na semana passada, porém, uma reunião de 54 países do Grupo de Contato para a Ucrânia na base militar americana de Ramstein não trouxe uma decisão sobre o fornecimento dos tanques Leopard 2.
O entrave para outros países se deve às leis de exportação vigentes na Alemanha, que vinculam países que tenham equipamento militar fabricado no país a uma autorização de uso desses armamentos, como é o caso dos blindados Leopard 2. Vários países ocidentais veem na Alemanha a responsabilidade de liderança na Europa – e defendem a ideia de uma coligação internacional de fornecedores dos Leopard 2.
A própria Ucrânia, no entanto, precisaria de 80 a 90 blindados para lançar uma contraofensiva em bloco contra as tropas russas, segundo o Conselho Europeu de Relações Internacionais. O mesmo órgão diz que 13 países europeus possuem, juntos, 2 mil tanques Leopard em diferentes versões.
Dinamarca, Letônia, Estônia e Polônia já vinham manifestando o desejo de enviar os tanques a Kiev há várias semanas. O governo em Varsóvia, por exemplo, chegou a afirmar que não esperaria autorização de Berlim, e oficializou um pedido junto ao governo alemão nesta semana para enviar 14 tanques do modelo Leopard 2A4 para a Ucrânia, colocando ainda mais pressão sobre Berlim.
Por que houve tanta hesitação da Alemanha?
Fornecer armas para zonas de guerra ainda é um tema sensível para a Alemanha, que defende o princípio de não exportar equipamento bélico para áreas de conflito.
O chanceler federal Olaf Scholz também vinha destacando três princípios orientadores de seu governo para justificar a postura hesitante: primeiro, a Ucrânia precisa receber o máximo de apoio possível; segundo, é preciso impedir um conflito direto entre a aliança militar Otan e a Rússia; e, terceiro, uma ação unilateral de qualquer país aliado da Ucrânia deve ser evitada.
Internamente, um aspecto que influencia as tomadas de decisão do chanceler alemão é o jogo de poder no interior de sua legenda, além do eleitorado.
Historicamente, a ala mais à esquerda do Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz sempre representou uma parcela dos eleitores inclinada ao pacifismo. Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, manter boas relações com Moscou era um direcionamento considerado necessário para manter a paz na Europa. Portanto, apesar de querer uma nova direção, Scholz não pode implementar repentinamente uma linha política que vai contra o núcleo histórico da sigla, segundo analistas.
O instituto de pesquisas Infratest Dimap também mostrou em levantamento na semana passada que os eleitores alemães se dividem sobre o envio de tanques à Ucrânia. As respostas mostram que 46% dos entrevistados são favoráveis ao envio – e que 43% se opõem.
Concorrência da indústria americana
Olaf Scholz também vinha sendo criticado por "se esconder" atrás dos Estados Unidos no contexto da ajuda à Ucrânia, uma afirmação contestada pela cúpula do SPD.
Mas, segundo análise publicada esta semana no jornal Neue Zürcher Zeitung (NZZ), o dilema de Scholz não foi apenas geopolítico. Impedindo o envio de tanques à Ucrânia, o chanceler federal alemão teria prejudicado os interesses diplomáticos de Berlim, já que Kiev poderia perder mais terreno.
Por outro lado, dando luz verde ao envio dos tanques, os interesses econômicos da Alemanha poderiam sair perdendo. A indústria bélica alemã teria ficado bastante preocupada com o aspecto econômico, já que os americanos estariam apenas esperando para poderem oferecer material substituto para os Leopard.
A guerra na Ucrânia daria, assim, aos Estados Unidos oportunidade de se estabelecerem no mercado armamentista europeu com tanques, depois de já terem conquistado uma fatia com helicópteros, jatos de combate e mísseis. Ou seja: concorrência para a Alemanha, que também terá de procurar material para substituir os já poucos tanques Leopard que possui no próprio Exército, após cortes seguidos no orçamento da Bundeswehr nos últimos governos.
Quando os tanques poderão ser entregues?
Apesar de ser considerado o melhor tanque de combate do mundo, o Leopard fabricado pelas empresas Krauss-Maffei Wegmann e Rheinmetall também é o mais caro – a versão 2A7 custa entre 7 e 8 milhões de euros.
Com a redução do orçamento da Bundeswehr no passado recente, a indústria armamentista alemã recebeu menos encomendas e cortou despesas, fazendo com que tanques como o Leopard 2 passassem a ser produzidos em escala reduzida, encarecendo a produção e aumentando o tempo de entrega para até dois anos.
Mesmo assim, a empresa Rheinmetall declarou nesta quarta que poderá fornecer 139 blindados Leopard, de modelo 1 e 2, para a Ucrânia. Um porta-voz do conglomerado afirmou que 22 veículos 2A4 poderiam ser preparados e enviados a Kiev – disponibilizar os veículos, segundo ele, demoraria até um ano (entre finais de 2023 e início de 2024). Porém, há 29 tanques desse modelo no arsenal da Bundeswehr e que, se Berlim quiser, poderiam ser enviados até abril ou maio, se o prazo não puder ser adiantado já para março.
Há 88 tanques do modelo Leopard 1 que também poderiam ser colocados à disposição.
A diferença que os Leopard podem fazer
Tanques são um elemento central nos combates terrestres. Sem eles, é improvável que a Ucrânia consiga recuperar território ocupado pelos russos.
Especialistas afirmam que, em número significativo, os veículos de combate Leopard 2 podem elevar substancialmente a capacidade ucraniana de repelir as forças russas.
O Leopard 2 pesa mais de 60 toneladas, tem um canhão de 120 milímetros e pode atingir um alvo a até cinco quilômetros de distância. O motor a diesel é comparativamente econômico e, portanto, mais adequado para a Ucrânia em tempos de escassez do que, por exemplo, os tanques americanos Abrams, que consomem muito mais combustível.
Com um total superior a 2 mil tanques Leopard 2 disponíveis na Europa, cada país poderia fornecer uma parte do seu arsenal. Assim, a Ucrânia evitaria receber tanques de tipos diferentes, tornando mais fáceis a manutenção e o treinamento de soldados.