Para Áustria é hora de rever passado nazista
11 de março de 2013Em 11 de março de 1938 às 19h47, Kurt Schuschnigg fez seu último discurso no rádio como chanceler federal austríaco. "Deus proteja a Áustria" foram suas últimas palavras. Adolf Hitler havia chantageado o país: ou o governo renunciava, ou as tropas alemãs a ocupariam. O presidente Wilhelm Miklas e Schuschnigg sabiam que era inútil resistir.
O dia seguinte marcou o fim do Estado da Áustria. Às oito horas da manhã, as tropas alemãs entravam no país. Na tarde do mesmo dia, Adolf Hitler chegava de carro a Braunau am Inn, cidade próxima à fronteira onde ele nascera em 1889. Em vez de resistência, houve júbilo.
Vítima ou cúmplice?
Historiadores, políticos e a sociedade, dentro e fora da Áustria, questionam se o Anschluss– a assim chamada "anexação" do país ao Reich alemão – foi voluntária ou forçada. A Áustria foi vítima ou cúmplice?
O judeu vienense Ari Rath tinha 13 anos e ainda se lembra do dia 12 de março de 1938: "Meu irmão e eu fomos visitar nossa avó. Queríamos ver se estava tudo em ordem. As casas com as bandeiras com a suástica não foram uma surpresa. O que realmente nos surpreendeu foi que naquele mesmo sábado, 12 de março, a polícia de Viena já estava usava braçadeiras com a suástica. A coisa já devia estar preparada." E, com certeza, estava.
Um mês antes, em 12 de fevereiro, Hitler e o chanceler austríaco haviam fechado um acordo: Arthur Seyss-Inquart, ministro austríaco do Interior e homem de confiança de Hitler, assumiria o controle da polícia. Além disso, Hitler conseguiu impedir a proibição na Áustria do partido nacional-socialista NSDAP. O caminho estava livre para a que se preparasse a "anexação" – de dentro para fora, já que há muito os nazistas austríacos tinham se infiltrado nos setores executivo e administrativo.
Celebração em Viena
No dia seguinte à chegada das tropas à Áustria, o diário oficial do Reich publicou a Lei de Reunificação da Áustria com o Império Alemão, elaborada pelo líder e chanceler do império Adolf Hitler. Dois dias depois, ele era aclamado por 250 mil pessoas na Heldenplatz, em Viena.
Hitler falou sobre o destino, história e missão comum que a Alemanha e a Áustria compartilhavam: "A 'Ostmark', a mais antiga fronteira oriental do Império Alemão deve ser, a partir de agora, o mais novo baluarte da nação alemã e, portanto, do império." Hitler situava o inimigo comum no Leste comunista. A última frase de seu discurso foi abafada pelos estrondosos aplausos que duraram mais de um minuto. "Como líder e chanceler da nação alemã e do império, eu registro para a história a entrada de meu país no Império Alemão."
Para que a Áustria se transformasse de Estado independente, na "fronteira oriental" do Império Alemão, Hitler não buscou apoio nos votos do parlamento, mas sim do povo austríaco. Em 10 de abril, um plebiscito mostrou que 99,7% dos eleitores aprovavam a unificação – um resultado alcançado com os recursos típicos do nazismo: manipulação, propaganda e terror. Mas não se esqueça que, após a dissolução do Império Austro-Húngaro em 1918, o patriotismo austríaco estava debilitado, e que grande parte da população cultivava o desejo de uma fusão com o Império Alemão.
Vitimização: uma muleta
Já durante a Segunda Guerra Mundial, os aliados discutiam o papel da Áustria na era nazista. Em outubro de 1943, os chefes da diplomacia dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética se reuniram em Moscou. O resultado foi a chamada Declaração de Moscou, que afirma: "A Áustria é o primeiro país livre a se tornar vítima da agressão de Hitler…". Essa passagem foi base para a "teoria da vítima" e depois da guerra se transformou em "razão de Estado" para os austríacos.
Desse modo, via de regra se esquecia – intencionalmente ou não – que a declaração não acabava por aí. Os aliados exortavam a Áustria à resistência contra o regime nazista, e recordavam a corresponsabilidade austríaca na guerra. "Para a construção da identidade austríaca, foi uma muleta importante empurrar todo o peso da responsabilidade para a Alemanha, de forma a desenvolver uma identidade nacional independente", analisa Oliver Rathkolb, professor de História Contemporânea da Universidade de Viena.
Saindo do papel de vítima
Essa perspectiva mudou no final dos anos 1970. Desde então, o consenso entre os historiadores austríacos é que houve uma forte anexação a partir de dentro. Além disso, foi grande a colaboração e cumplicidade, lembra Rathkolb. "Muito já se publicou sobre os excesso brutais contra os judeus após o Anschluss. O que mudou foi a atitude pública em relação à anexação."
O historiador se refere especialmente à atitude das elites políticas, com exceção do Partido Libertário da Áustria (FPÖ), enfatiza. Segundo ele, a facção seria um caso a parte, por suas repetidas declarações públicas de cunho racista, homofóbico e anti-islâmico.
Para Oliver Rathkolb, pesquisas recentes realizadas na Áustria e na Alemanha dão o que refletir. Por um lado, elas mostram que neles há uma atitude crítica em relação ao nazismo e o antissemitismo. "Mas nestes dois países há, entre as novas gerações, uma tendência muito grande de colocar um ponto final no assunto." A partir daí ele tira uma conclusão: há cada dez anos, a história deve estar rediscutida e reelaborada para a geração seguinte.
Assim, os 75 anos da "anexação" são uma ocasião propícia para retomar o debate público sobre o papel da Áustria, e também para evitar o recrudescimento da doutrina da vitimização. O judeu Ari Rath está convicto de que a Áustria vai celebrar o 12 de março com dignidade. Ele fez as pazes com seu país natal, o qual trocou pela Palestina, em 1938, aos 13 anos de idade. "Levou muito tempo até eu estar pronto para aceitar novamente a minha cidadania austríaca". Mas agora, 75 anos depois, ele voltou a ter "uma mala em Viena".
Autor: Birgit Görtz (mas)
Revisão: Augusto Valente