Uma orquestra brasileira no circuito internacional
4 de setembro de 2012Yasuda, Uhlemann, Doh, Thorpe, Tartaglia, Apps, Petrutiu, Sarudiansky, Kier, Cho, Coleman Milling, Suris, Yenque, Zúñiga, Chipoletti, Pas, Sadi, Lepage, Del Grande, Dias, Paschoal, Grinberg, Barbosa, Rosa, Alves, Lima, Dias, Sampaio, Silva... O que parece uma lista de convidados das Nações Unidas é apenas uma pequena seleção entre os 115 integrantes de uma das mais importantes orquestras brasileiras.
É natural para um grande conjunto sinfônico contemporâneo ser um melting pot de nacionalidades, com grande mobilidade: um músico que toca hoje em Paris pode daqui a alguns anos estar em Berlim, Nova York ou Melbourne.
No caso específico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), essa variedade tem ainda outras conotações. Apesar dos coloridos sobrenomes, a maior parte de seus 115 músicos é mesmo de nacionalidade brasileira – um testemunho de uma metrópole global, dentro de um país com cinco séculos de sucessivas colonizações e ondas migratórias.
Afinal, nessa grande mistura, quem é brasileiro mesmo, quem está radicado no país há décadas, quem acaba de chegar? É simples estabelecer estatísticas; mas será que isso tem alguma relevância para o dia-a-dia e – mais importante – para o rendimento artístico do conjunto sinfônico paulista?
Aposta na diversidade
Um aspecto com possíveis implicações musicais seria a coexistência forçada de diferentes escolas instrumentais – italiana, russa, belga, francesa, alemã, húngara, etc. –, cada uma com suas especificidades técnicas, sonoras e interpretativas, tanto no plano individual quanto coletivo. Falando à Deutsche Welle durante a primeira turnê europeia da orquestra sob sua gestão, Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, exemplifica:
"Se você pegar, digamos, a Filarmônica de Viena, o indivíduo entra porque ele já toca à moda de Viena, já foi formado naquela realidade. Na Osesp, um músico entra porque é bom, tem competência, capacidade, boa formação. Mas temos, por exemplo, um trombone baixo formado na Filadélfia, um primeiro oboé formado na Academia da Filarmônica de Berlim, um primeiro trombone que também estudou na Alemanha e um outro que estudou na Juilliard School, um primeiro trompete que estudou em Montevidéu."
Lopes encara essa diversidade como um desafio que, bem administrado, pode ser um valioso ponto distintivo para sua orquestra. "No fundo, eu não sei se é possível projetar um resultado sonoro. A questão é mais entender o que advém disso tudo e levá-lo para um lugar artisticamente interessante. Com certeza, a Osesp tem uma identidade sonora muito mais distinta do que a maioria das orquestras americanas. Eles têm lá uma escola específica, um determinado padrão de eficiência, mas não têm tantas particularidades quanto nós."
Babel harmoniosa
O violista Horácio Schaefer também vê essa pluralidade de culturas musicais dentro da orquestra como um fator produtivo. Natural de São Paulo, de família alemã, e integrante da Osesp há 13 anos, ele aponta o fato de praticamente todos os instrumentistas de cordas brasileiros atuantes nela terem se formado no exterior, estando, portanto, familiarizados com uma ou outra das grandes escolas.
Além disso, as diferenças instrumentais não seriam tão grandes assim, afirma, e onde elas se manifestam, os músicos aproveitam para trocar experiências. "Sempre tem coisas bacanas que a gente vê o outro fazendo, que ele vê a gente fazendo... Então, acho que é mais complementar do que diferencial."
Quanto ao entendimento verbal, nessa Babel de nacionalidades, Schaefer e alguns de seus colegas são unânimes: não há nem sombra de dificuldade. Quando necessário, durante os ensaios a maior parte da comunicação se dá mesmo no "esperanto" dos termos musicais italianos. E o restante fica por conta do inglês, língua franca entre os numerosos maestros convidados.
Nacional e global: um equilíbrio dinâmico
O diretor artístico Arthur Nestrovski descreve o complexo equilíbrio entre o papel local e global da Osesp, entre sua identidade nacional e a projeção internacional. "Cada vez mais tentamos pensar a Osesp como uma orquestra não apenas brasileira. Claro que ela é uma orquestra brasileira, de São Paulo – cada palavra dessas pesa. Mas nós gostaríamos que ela fosse reconhecida hoje como a principal orquestra profissional da América Latina."
O também músico, musicólogo e autor paulista, formado na Inglaterra e nos Estados Unidos, considera que essa mensagem já chegou aos círculos especializados. Provas recentes são tanto a aclamada turnê europeia – passando por Londres, Wiesbaden e Amsterdã – quanto a aquisição – mutuamente prestigiosa – da norte-americana Marin Alsop como regente titular.
"É fruto de 13 anos de trabalho, isso foi sendo construído. Mas acho que houve um salto de qualidade nos últimos dois, três anos, em termos de solistas, regentes e programação", ressalta Nestrovski. Citando a onda de atenção internacional sobre o país e a atual força do real, ele anuncia: "É um momento muito positivo. Nós queremos aproveitar isso para consolidar a posição como orquestra número um do continente – não só com o meio musical, mas, digamos, em termos mais amplos".
Bons salários, tempo para se conhecer
Entre muitos outros aspectos, uma meta artístico-empresarial tão ambiciosa exige uma série de estratégias, como a meticulosa seleção do repertório e das parcerias, um planejamento inteligente dos concertos e gravações. Mas é também essencial adquirir os melhores instrumentistas possíveis à disposição – não só entre os nacionais, mas no pool global dos músicos de orquestra.
Respeitando a quota máxima de integrantes estrangeiros estipulada pela lei brasileira, de 35%, atualmente a Osesp conta em seus quadros com cerca de 40 profissionais de 14 nacionalidades diferentes, sublinha Marcelo Lopes. O que, mais uma vez, remete à questão da unidade musical.
"A questão é, num dado momento, do ponto de vista artístico, criar uma identidade sonora a partir disso tudo. Nossa estratégia para alcançar esse fim tem sido muito tempo de ensaio – não há outra. Os músicos têm que se conhecer, ir absorvendo as qualidades dos demais e criando um jeito próprio de tocar, e isso demanda tempo."
Para um profissional dedicado, "muito ensaio" é, em si, um argumento positivo, pois significa mais espaço para o aperfeiçoamento individual e conjunto. Isso, o diretor executivo (que – fato raro - também atua na orquestra como trompetista, desde 1984) entende como ninguém.
Por outro lado, o país se encontra fora dos grandes circuitos de concertos europeu e norte-americano, reconhece Lopes. Essa desvantagem, a Sinfônica de São Paulo procura compensar oferecendo salários francamente competitivos, no contexto do mercado global.
Portas abertas
Boas condições materiais foram um argumento eloquente para o violoncelista alemão Johannes Gramsch trocar seu posto numa orquestra europeia pelos ares de São Paulo, nove anos atrás – embora, na época, a Osesp não lhe fosse "nem um pouco conhecida", admite. Hoje, além de ser violoncelo solista, ele integra o Quarteto de Cordas da Osesp, ao lado de Cláudio Cruz, Emmanuele Baldini, e Horácio Schaefer.
Outras duas aquisições internacionais são a violinista búlgara Irina Kodin e a flautista italiana Jessica Dalsant. Integrando a Osesp há nove e sete anos, respectivamente, hoje elas falam português fluente. Ambas foram atraídas a São Paulo, em primeiro lugar, pelas indicações de colegas músicos.
Para Dalsant, dois fatores foram definitivos. Por um lado, o alto nível artístico da Osesp – comparável ao das melhores orquestras de seu país, afirma. Por outro, enquanto na Itália sua prática orquestral se restringia muito ao repertório da ópera, a Osesp a confronta com um universo musical muito mais amplo e instigante.
Paralelamente, a Osesp não negligencia a "prata da casa". Vindo de família bastante humilde, o violinista Djavan Caetano deve sua formação musical à academia da orquestra. Até há pouco, ele era um dos poucos que nunca "estudaram fora". Agora, orgulhoso vencedor do Concurso Nelson Freire – e seguindo o conselho pessoal do aclamado pianista – o jovem paulista se encontra a caminho de um mestrado na capital austríaca.
Autor: Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler