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Os 60 anos da pílula que revolucionou o mundo

9 de maio de 2020

Em 9 de maio de 1960, primeira pílula anticoncepcional foi aprovada nos EUA. Medicamento revolucionou hábitos sexuais e ajudou a consolidar a mulher no mercado de trabalho. No Brasil, foi recebida com forte resistência.

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Deutschland Geschichte Kapitel 2 1959 – 1969 Pillenknick Antibaby-Pille
Foto: picture-alliance/dpa

Há 60 anos, em 9 de maio de 1960, a agência federal Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, declarou que um medicamento chamado Enovid, já utilizado havia três anos para tratar desordens menstruais, era seguro como contraceptivo. Assim foi aprovada a comercialização da primeira pílula de controle de natalidade do mundo.

"Foi uma revolução, não só da mulher, não só da sexualidade", avalia à DW Brasil a ginecologista Carolina Ambrogini, coordenadora do ambulatório de sexualidade feminina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "A pílula deu a possibilidade de a mulher poder escolher o momento da maternidade e, principalmente, desvinculou o ato sexual do efeito reprodutivo. Isso foi importante para a consolidação da mulher no mercado de trabalho e mudou toda a dinâmica familiar."

Autora do livro Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil, a historiadora Mary Del Priore enfatiza esse caráter revolucionário do medicamento. "Numa época em que era comum ver mulheres conceberem sete, dez, até 12 filhos, obedecendo ao 'crescei e multiplicai-vos', a pílula revolucionou os hábitos sexuais", afirma.

"O ato sexual deixou de servir exclusivamente à procriação. Abriu-se uma brecha no mandamento divino: doravante, a mulher poderia escolher entre ter ou não filhos. Era o fim de intermináveis gravidezes e de problemas que essas traziam: enfraquecimento progressivo da mãe e dos bebês", aponta.

Para a médica Beatriz Truyts de Moraes Alves, especializada em reprodução humana, a pílula anticoncepcional deu à mulher muito mais que autonomia para definir qual é o momento ideal, em sua vida, para a concepção. "Ela permitiu à mulher que o prazer fosse desvinculado das palavras gravidez e fertilidade", diz. "Foi responsável pela mulher tomar as próprias rédeas da vida, do corpo e de ter controle sobre uma situação que até então era imposta pela natureza. Vivíamos em uma era onde sexo era sinônimo de fertilidade, e não sinônimo de prazer."

Comparada às pílulas modernas, a primeira versão era uma verdadeira bomba hormonal. Segundo a ONG americana Planned Parenthood, a Enovid tinha 10 mil microgramas de progestina e 150 microgramas de estrogênio. Os contraceptivos atuais costumam ter de 50 a 150 microgramas de progestina e de 20 a 50 microgramas de estrogênio.

"Sem dúvida, os avanços tornaram [a pílula] muito mais segura. Todo remédio tem contraindicações, não podemos deixar de levar isso em consideração. Mas se a pílula pode trazer malefícios, os benefícios superam em muito os riscos", afirma a psicóloga e sexóloga Quetie Mariano Monteiro, diretora do Instituto de Ensino, Pesquisa e Orientação em Saúde e coordenadora pedagógica do Hospital Pérola Byington, em São Paulo.

Tabu no Brasil

Se nos Estados Unidos, a pílula chegou às farmácias ainda em 1960, no Brasil o medicamento só passou as ser disponibilizado em 1962.

No início, era comercializado somente para mulheres casadas – e com autorização do marido. Para tanto, os juristas se apoiavam numa lei aprovada em 27 de agosto de 1962, atualizando o código civil em vigor, que determinava a "situação jurídica da mulher casada", na qual ela não podia, sem autorização do "chefe da família", "praticar atos que este não poderia sem consentimento da mulher".

"Existiu muita resistência, é uma coisa bastante cultural", diz Monteiro. "Há questões religiosas envolvidas, e o lugar onde a mulher é colocada na sociedade. Há tabu nesse processo."

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Para a historiadora Maíra Rosin, pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP), o advento da pílula no Brasil acabou se deparando com pontos de vista conflitantes do governo ditatorial a partir de 1964.

"O regime militar não teve uma posição sobre a pílula, mas sim dois grupos brigando: de um lado, os que pregavam a necessidade da redução da natalidade. De outro, os que argumentavam que o Brasil precisava aumentar a população, para uma maior mão de obra no futuro – esta vertente encontrava apoio da Igreja Católica [contrária aos métodos contraceptivos artificiais]", avalia a historiadora.

"Assim como usar minissaia era tabu, tomar anticoncepcional também era", define a médica Moraes Alves.

Rosin reconhece que a pílula trouxe "uma liberdade sexual importante" e acabou se tornando bandeira do movimento feminista, mas lembra que seu advento está ligado ao contexto da Guerra Fria, em que havia um interesse das potências mundiais em evitar um baby boom nos países subdesenvolvidos. "Buscava-se a queda da natalidade", aponta.

"No Brasil, esse momento coincide com o forte aumento da força de trabalho feminina, com mulheres ocupando seus espaços nas empresas e nas universidades", pontua.

Questão de gênero

Sessenta anos depois da aprovação da primeira pílula anticoncepcional, há diversos métodos contraceptivos hormonais que podem ser considerados evoluções do original. Existem versões "com muito menos efeitos colaterais", como comenta Monteiro, porque têm uma dose hormonal muito mais baixa e usam menos ingredientes sintéticos. Há ainda outras maneiras de fazer com que os hormônios necessários para o efeito contraceptivo cheguem ao organismo da mulher: de adesivos a anel intravaginal.

"A indústria tem desenvolvido métodos cada vez mais eficazes e pensando no perfil de cada mulher", diz Moraes Alves. "A mulher quer facilidade. E quanto menos efeitos colaterais, melhor", completa Ambrogini.

Ao mesmo tempo, está longe de existir nas prateleiras das farmácias um método hormonal acessível ao público masculino. "Existem pesquisas, mas nunca se chegou a algo que fosse eficaz e reversível", comenta Ambrogini. "Talvez não haja incentivo da indústria farmacêutica, afinal existe muito machismo quanto a isso."

"As políticas de natalidade sempre estão ligadas ao corpo feminino. Isso é importante de ser ressaltado. Porque persiste essa coisa da culpabilidade da mulher na questão da concepção", analisa a historiadora Rosin. "Sempre que uma criança nasce fora de um relacionamento, é ‘porque a mulher não se cuidou'."

De acordo com os profissionais médicos ouvidos pela DW Brasil, vem sendo observada uma tendência, nos últimos anos, de mulheres optando por deixar de tomar as pílulas. "A mulher está há 60 anos tomando hormônios e agora pede cada vez menos hormônio", relata Ambrogini.

Para Rosin, esse comportamento contemporâneo é também uma opção de liberdade quanto ao corpo. "Segundo dados do Ministério da Saúde, 99,6% das mulheres brasileiras conhecem a pílula – o que não significa que usam ou sabem usar", avalia.

"A pílula é vendida com o discurso de liberdade e, de fato, é importante por favorecer situações de liberdade. No entanto, ela também atua como mecanismo de controle do corpo feminino, implica uma forma de sujeição do corpo da mulher. A gente ainda tem muito a evoluir quanto à emancipação do corpo", conclui.

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