Numa democracia, o povo é o soberano. E o Parlamento, eleito livremente, é a expressão de sua vontade. Para democratas, a sede parlamentar é uma catedral da liberdade.
Na Venezuela, brigadas paramilitares chavistas invadiram a Assembleia Nacional venezuelana no 206° aniversário da declaração de independência do país, ferindo deputados eleitos democraticamente e mantendo durante horas centenas de pessoas como reféns. Tudo isso aconteceu diante dos olhares impassíveis da Guarda Nacional (polícia militar) presidencial, pouco tempo depois que o vice-presidente do país falara no Parlamento sobre a "hora dos revolucionários", conclamando "as pessoas comuns" a entrar no plenário.
Mais claro que isso é impossível. O governo da Venezuela despreza a democracia e entrega seus representantes ao pelotão de fuzilamento. Ninguém pode agora acreditar que o presidente Maduro e seus chavistas estejam propensos a negociações sérias com a oposição, que detém quase maioria de dois terços na Assembleia Nacional.
O fato de Maduro ter condenado o ataque após o incidente violento não foi nada mais que um exercício obrigatório. Afinal, na semana passada, o mesmo presidente falou claramente: "O que não conseguirmos com votos, faremos com armas." Esse mesmo presidente anunciou há poucas semanas a distribuição de 500 mil armas de fogo a seus grupos paramilitares – os "colectivos" – e afirma agora não ser nenhum "cúmplice da violência".
Na Venezuela, a violência já é uma verdade há bastante tempo, ela reina nas ruas. Depois de 97 dias de protestos quase diários contra o governo, existe um número quase igual de vítimas, a maioria do lado dos manifestantes. As forças de segurança agem com resoluta brutalidade, os "colectivos" armados cuidam do resto. E quanto mais tempo durar essa luta desigual de poder, mais difícil será manter pacíficas as manifestações. Grupos utilizam cada vez mais os protestos para saques e depredações, os manifestantes também aderem à violência.
E a inflação ainda continua a subir mais rápido do que o presidente consegue aumentar o salário-mínimo; ainda há escassez de alimentos e remédios; a taxa de criminalidade no país ainda continua a ser uma das mais altas do mundo e ainda não há um fim, uma saída à vista.
Em três semanas, deverá ser realizada uma "eleição" para uma Assembleia Constituinte, preparada cuidadosamente para favorecer os chavistas e com a qual Maduro quer finalmente cimentar o seu poder. Duas semanas antes, a oposição pretende organizar, de forma unilateral, um contrarreferendo.
A resistência contra a abolição da separação de poderes continua inabalável, mas cresce o desespero. A comunidade internacional não dispõe mais de muito tempo para acalmar essa situação. Para que houvesse alguma mudança, há um ano e meio, a grande maioria dos venezuelanos votou na oposição que hoje predomina no Parlamento. O ataque de ontem significou um tapa na cara de cada um desses eleitores.