No fim de abril, eu pisquei, e aí algo que o chefe de governo alemão Olaf Scholz passara semanas insistindo que era impossível, de repente ficou possível: a Alemanha vai passar a fornecer tanques antiaéreos para a Ucrânia.
O anúncio veio do nada, assim como tanto na política alemã para a guerra na Ucrânia, inclusive a decisão inicial, no fim de fevereiro, de sequer enviar armas ao país invadido. Apenas horas antes, membros do Partido Social-Democrata (SPD), de Scholz, haviam dado entrevistas afirmando que fornecer armas pesadas estava fora de cogitação.
Ao que parece, ou eles não receberam o memorando, ou o chanceler federal os deixou no escuro – como consta que fez com alguns de seus ministros, ao propor um importante aumento orçamentário para as Forças Armadas nacionais, em seguida à invasão russa.
Nos dias anteriores à guerra e desde então, a posição padrão da Alemanha tem sido "não podemos". Não podemos enviar armamentos para uma zona de conflito, não podemos bloquear a Rússia do sistema de pagamento internacional Swift, não podemos embargar a energia russa, não podemos enviar armas pesadas... e por aí vai.
É fato que algumas dessas posições foram (parcialmente) revistas. Mas, embora muitos desses retrocessos sejam avanços na direção certa, o fato de que tantos "não dá" se transformaram em "dá sim" revela uma discrepância entre a retórica do chefe de governo e as relutantes ações do país.
"Não podemos" ou "não queremos"?
Scholz parece estar agindo mais por pressão do que por convicção. Nas últimas semanas, ele argumentou que a Alemanha está "fazendo tudo" o que pode pela Ucrânia. Mas será que está mesmo? As meias-voltas espontâneas, em que o impossível se torna possível, sugerem que o "não podemos" talvez fosse, na verdade, um "não queremos" disfarçado.
Não é uma situação lisonjeira para o social-democrata, e tampouco para a imagem da Alemanha perante seus parceiros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que a têm criticado por sua hesitação e o bloqueio de sanções mais duras contra Moscou.
O comportamento de Scholz talvez também esteja afetando o apoio público no país: nos primeiros dias da guerra, o embargo à energia russa – respaldado pelo Parlamento Europeu e considerado por diversos analistas políticos uma forma eficaz de estancar o financiamento da guerra pela Rússia – era aprovado por 55% da população alemã.
Consultas mais recentes, contudo, indicam que esse índice caiu para 28%. Pode ser que essa falta de disposição tenha sido alimentada pela ofensiva midiática de Scholz e do ministro da Economia, Robert Habeck, pregando dia após dia por que a medida não é viável.
De fato, não há consenso entre os especialistas sobre até que ponto um corte abrupto da dependência dos combustíveis russos desabilitaria a potência militar do Kremlin. No entanto, enquanto Scholz e Habeck têm repetidamente pintado um quadro semi-apocalíptico do que tal medida causaria, diversos economistas afirmam que o dano seria bem menor, causando uma redução do crescimento econômico entre 2,5% e 6%.
Contra o vício do gás russo barato
Durante, a pandemia, a Alemanha se provou apta a lidar com uma queda de 5% do crescimento, devido ao esquema de trabalho em expediente reduzido e outras políticas. Em outras palavras: o país deveria ser capaz de encarar o embargo – se quisesse. Mesmo que o governo não deseje abandonar o vício da energia russa, ainda há tanto que ele pode fazer, e exortar seus cidadãos a fazerem, que acarretaria uma diferença palpável.
Berlim deve continuar realizando transferências diretas e indiretas de armas pesadas. E poderia cortar o pagamento de combustível à Rússia introduzindo um limite de 100 km/h nas autoestradas, que 70% da população apoia; adotar dias alternados para a utilização de carros, ou mesmo domingos livres de automóveis, como fez durante a crise do petróleo em 1973.
O governo poderia tornar obrigatório o trabalho de casa e incentivar o compartilhamento de carros; oferecer esquemas lucrativos para troca por carros menores e mais verdes; e antecipar os esquemas de preços reduzidos para o transporte público, planejados para o verão.
O consumo de energia, grande parte da qual é gerada por gás natural, poderia ser reduzido; os proprietários de imóveis receberiam subsídios para melhorar o isolamento térmico e instalar unidades de calefação de maior eficiência energética – controlando-se que parte dos custos podem ser transferidos aos inquilinos.
Necessidade de motivar a população
Um ponto vital seria a Alemanha pressionar a União Europeia a instituir tarifas sobre as importações de gás, metade do qual o país importa da Rússia. Uma tarifa tornaria bem menos atraente o gás russo barato, cortando o financiamento ao país e, ao mesmo tempo, gerando renda para compensar a perda econômica doméstica.
Considerando-se que, desde que a guerra começou, em 24 de fevereiro, a Alemanha já transferiu à Rússia 9,1 bilhões de euros (R$ 48,4 bilhões) por combustíveis fósseis, é difícil admitir a manutenção de uma abordagem "business as usual" que enche os cofres de Vladimir Putin às custas de vidas ucranianas.
A lista das ações potenciais é longa, mas no momento os alemães não parecem dispostos a fazer sacrifícios. Uma enquete realizada em 28 de abril revelou que só metade da população estava disposta a fazer concessões no dia a dia para ajudar a Ucrânia. Mas o apoio público pode mudar de direção.
O chefe de governo deve fazer tudo a seu alcance para efetuar mudanças, comunicar sua necessidade e reunir o país em torno de si, pois o tempo urge. Olaf Scholz precisa lançar uma campanha nacional total por aquilo que pode ser feito, não pelo que não pode. A Alemanha dispõe das ferramentas para fazer muito, muito mais. A questão é se tem o líder para guiá-las.
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Cristina Burack é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.