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Terrorismo

Hanau é resultado do racismo cotidiano na Alemanha

Kommentarfoto Sheila Mysorekar
Sheila Mysorekar
21 de fevereiro de 2020

Atirador não é lobo solitário, pois agiu dentro de ambiente social no qual minorias são discriminadas, jovens de origem árabe e turca são associados ao crime, e a AfD espalha o ódio, afirma a jornalista Sheila Mysorekar.

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Em Berlim, manifestantes protestam contra racismo após ataques em Hanau
Em Berlim, manifestantes protestam contra racismo após ataques em HanauFoto: Getty Images/E. Contini

Eu não fiquei surpresa. Um extremista de direita invade dois bares de narguilé em Hanau e mata nove pessoas – jovens que são vistos como "estrangeiros". Um massacre motivado pelo racismo – e isso nem sequer me surpreende. E, assim como eu, também não surpreende muitos membros das comunidades de imigrantes na Alemanha, muitos alemães negros e as pessoas de cor. Estamos indignados, tristes, irados, mas não estamos surpresos.

Agressões verbais e físicas fazem parte do nosso cotidiano. Ouvimos políticos debater publicamente se minorias religiosas ou outras são bem-vindas neste país e de que maneira. Vemos que ataques brutais a pessoas pela extrema direita são comparados à destruição de carros por membros da extrema esquerda. E que termos da cena extremista de direita, como "islamização", se tornaram de uso corrente na mídia.

No Bundestag (Parlamento alemão), está representado um partido, a Alternativa para a Alemanha (AfD), que frequentemente é chamado de "braço parlamentar do terrorismo de direita" – e por bons motivos. Um exemplo recente: já faz algumas semanas que a AfD em Hessen, estado onde fica Hanau, usa memes na internet para atiçar contra bares de narguilé, que ela chama de antros da "criminalidade estrangeira". Alguém fica mesmo surpreso se racistas engolem a isca?

O assassino de Hanau não é um lobo solitário, pois ele age dentro de um ambiente político e social no qual minorias são discriminadas e sobretudo jovens de origem árabe e turca são associados ao crime. Sob o manto "das wird man doch wohl mal sagen dürfen!" [algo como "acho que ainda se pode dizer isso!", expressão que costuma acompanhar opiniões polêmicas em declarações de membros da AfD], o racismo baixou âncora no centro da sociedade alemã.

A mídia também contribuiu para a radicalização do discurso. Até mesmo assassinatos como os de Hanau são chamados de xenófobos, apesar de os jovens que lá foram brutalmente assassinados quando passavam algumas horas juntos não serem de forma alguma estrangeiros. Uma palavra como xenofobia incorpora a visão de mundo do terrorista, segundo a qual todo alemão deve ser branco – e todo aquele que não é branco não tem nada que ver com a Alemanha, é portanto um "estrangeiro". Mas os mortos não são turistas noruegueses, são jovens hessianos de famílias turcas, curdas e bósnias. Racista é a única definição possível para essa forma de pensar, que costuma resultar em violência.

Combater esse racismo de forma objetiva e estratégica é tarefa do governo e de toda a sociedade. Aqui, porém, muita coisa vai mal. Depois de um atentado ouve-se sempre que isso "nunca mais" deveria acontecer. Mas quando uma ministra como Julia Klöckner [da Agricultura] escreve que o terrorista matou pessoas "a esmo", ela mostra que não entendeu nada. Mesmo se esse terrorista de direita não conhecesse suas vítimas, ele sabia quem estava matando: pessoas jovens de famílias de migrantes.

Eu moro ao lado de um bar de narguilé, num bairro de forte influência da sua população de origem migratória, com açougues turcos e restaurantes vietnamitas ao lado de bares alemães. Todos pertencemos à Alemanha.

Mas estamos todos seguros? Posso andar pela minha rua sem ter medo de que uma bomba caseira explodirá, como aquela que explodiu na Keupstrasse de Colônia, em 2004? Posso abrir a minha porta sem ter que olhar para trás para ver se um terrorista armado está invadindo o bar de narguilé ao lado? Somos alvos em potencial do próximo atentado terrorista de direita?

Nesta sexta-feira (21/02) começa em Berlim um encontro da Neue Deutsche Organisationen (NDO), uma rede de cerca de cem iniciativas pós-migratórias de toda a Alemanha que se engajam em prol da diversidade e contra o racismo. O porta-voz da NDO, Karim El-Helaifi, comentou da seguinte maneira o atentado de Hanau: "Não precisamos de compaixão, mas de proteção. Uma democracia se mede pela maneira como ela lida com as suas minorias."

Se a Alemanha realmente valoriza a sua democracia, então todos os assassinatos racistas devem ser esclarecidos. Isso inclui a liberação, pelo governo do estado de Hessen, dos arquivos do caso NSU. Polícia, Forças Armadas e serviço secreto interno não devem mais tolerar ideias de extrema direita. O racismo estrutural deve ser combatido nas escolas. A segurança de todas as pessoas neste país deve ser assegurada.

A solução não é colocar mais policiais diante de sinagogas ou mesquitas. O atentado em Hanau mostrou que qualquer um pode ser vítima. A solução é reconhecer e combater o crescente racismo, em todos os setores da sociedade. Essa é a nossa única chance.

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