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A deterioração da cultura política nos EUA

Ines Pohl
Ines Pohl
20 de setembro de 2020

Disputa por vaga na Suprema Corte após morte de juíza expõe uma cultura política que só conhece inimigos. Trump e os republicanos não têm interesse em uma cooperação respeitosa e construtiva, opina Ines Pohl.

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USA | Trauer um Richterin Ruth Bader Ginsburg
Homenagem a Ginsberg: "Nós temos a Constituição mais antiga do mundo ainda em vigor. Ela começa com 'nós, o povo'".Foto: Timothy D. Easley/AP Photo/picture-alliance

Ruth Bader Ginsburg era tudo, menos melindrosa. Na luta por suas convicções, a juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos foi sempre dura. Ela era taticamente inteligente. Lutou durante décadas pela igualdade de gênero e contra a discriminação contra os homossexuais. Foi amada e adorada por isso. Foi também odiada por isso. É uma das poucas figuras em que a divisão deste país se reflete tão claramente.

Ginsburg morreu aos 87 anos de idade, após longo período doente. E a disputa sobre sua sucessão mostra a deterioração da cultura política nos EUA. Como cidadãos e instituições são tratadas com desrespeito, em meio à luta por influência na Suprema Corte. Esta instituição cuja importância não pode ser superestimada. Ela decide de acordo com quais princípios éticos e morais a Justiça será feita no país, se o aborto, por exemplo, ainda será permitido e se os empregadores ainda serão proibidos de discriminar os empregados com base em sua identidade sexual.

Há muito em jogo. E como o presidente do Supremo Tribunal é nomeado de forma vitalícia, o substituto decidirá se as forças conservadoras podem cimentar sua maioria já existente nas próximas décadas e assim ter a oportunidade de impor uma mudança significativa para a direita nos EUA. A decência, porém, exige que façamos uma pausa por um momento. Para lamentar. E para reconhecer as realizações de alguém que morreu. Independentemente de se compartilhar as opiniões políticas ou não.

São estas tradições bem ensaiadas que consolidam as democracias e permitem a coexistência pacífica entre todas as diferenças. As sociedades precisam de regras para que não se desintegrem. O respeito a quem morreu é um imperativo absoluto. Há uma razão pela qual cada cultura desenvolveu rituais de luto distintos.

No momento, não há sinais de nada disso nos EUA. Assim que a morte de Ginsburg foi tornada pública, o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, abriu a batalha para sua sucessão. Donald Trump só esperou até a manhã seguinte para deixar claro que os republicanos fariam todo o possível para preencher a vaga na mais alta corte americana antes das eleições presidenciais.

Justamente porque a nomeação de um juiz da Suprema Corte tem imensas implicações políticas, há bons argumentos para esperar até que a maioria dos americanos tenha decidido qual o rumo político que eles querem. E o presidente eleito definiria, assim, o sucessor de Ginsburg.

Mas os republicanos não querem saber sobre considerações teóricas democráticas. Eles farão qualquer coisa para preencher a vaga na Suprema Corte. Para interromper a nomeação, será necessário que quatro senadores de suas próprias fileiras se oponham. Algo improvável.

Se esta decisão acabará por ajudar o atual presidente é discutível. É bem possível que aqueles que nem tinham a intenção de votar neste ano, ao final, vão às urnas só para marcar um x ao lado do nome do candidato democrata Joe Biden. Em protesto contra uma cultura política que só conhece inimigos  e não tem interesse em uma cooperação respeitosa e construtiva. E no final talvez também como uma última prova de amor por Ruth Bader Ginsburg.

Ex-editora-chefe da DW, Ines Pohl é correspondente em Washington. 

Ines Pohl
Ines Pohl Chefe da sucursal da DW em Washington.@inespohl