O que se sabe sobre as vacinas autorizadas no Brasil
24 de junho de 2021No longo e tortuoso caminho em busca da imunização coletiva, aquela que vai finalmente nos livrar da pandemia, vacina boa é vacina no braço, afirmam especialistas. Ou seja: não adianta atacar de sommelier de vacina e ficar escolhendo esta ou aquela. Imunização não é um benefício individual – a disseminação do vírus só é contida quando uma boa parcela da população estiver vacinada.
Entretanto, como é inevitável que informações sobre taxa de eficácia sejam noticiadas e comparadas, vale entender melhor as especificidades de cada um dos imunizantes já autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aplicação no Brasil. E, nestes tempos em que a ciência avança em ritmo de reality show, com todos os holofotes apontados para o desenvolvimento das vacinas, vale explicar por que mesmo os testes realizados para medir o nível de proteção podem variar – dos estudos clínicos à aplicação de fato, passando por nuances quando realizados em diferentes comunidades.
"O estudo de fase 3 é um estudo controlado – por placebo, com análises cegas, randomizações – para a gente justamente minimizar vieses e observar se o imunizante é capaz de conferir proteção, além da segurança", explica a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19. "Num estudo de efetividade estamos observando o imunizante num contexto ‘de vida real', considerando a transmissão do vírus nos locais, diferentes graus de exposição que a população pode ter e a presença de variantes que possam, inclusive ter escape imunológico."
Independentemente da tecnologia da vacina, o objetivo é o mesmo: alcançar a imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho. "É quando uma determinada quantidade de população está imune a uma determinada doença, e isso faz com que seja muito difícil para o vírus conseguir infectar uma pessoa que não está imune dentro desse grupo, dessa população", explica o médico Carlos Rodrigo Zárate-Bladés, diretor do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
"Em termos teóricos, parece ser um conceito bem simples: a partir de para quantas pessoas uma determinada pessoa infectada consegue transmitir [o vírus], uma fórmula aponta a porcentagem de população que precisaria ser imunizada para parar a circulação desse vírus, ou seja, evitar que ele encontre uma pessoa não imunizada", conclui o médico. Isso depende, claro, da eficácia de cada vacina.
Mas em um mundo em que os estudos ainda estão sendo feitos e ajustados, vacinas de tecnologias diferentes estão sendo aplicadas simultaneamente na população e variantes teimam em seguir surgindo, ainda é impossível cravar um percentual com precisão.
O caminho para a imunidade coletiva, contudo, conhecemos: tomar vacina, aquela que estiver disponível.
Coronavac
Foi com alarde e uma alta carga política – capitalizada pelo governador de São Paulo, João Doria – que a vacinação começou no Brasil, em 17 de janeiro, um domingo. Poucas horas depois da aprovação pela Anvisa, agulhas entraram em ação com a CoronaVac, imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac e produzido no Brasil pelo Instituto Butantan.
Trata-se de uma vacina de princípio simples – o vírus inativado, uma das técnicas mais antigas. Em outras palavras: é o próprio coronavírus Sars-Cov-2, "morto" após processos químicos e físicos, que é utilizado na produção do imunizante. Nos estudos clínicos, a taxa de eficácia da Coronavac ficou em 50,38% – o que despertou certo deboche em parte dos críticos ao governador paulista e, até hoje, ainda alimenta descrédito de parcela da população.
É preciso ressaltar que isso não é um problema. O índice está acima do mínimo determinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é semelhante ao de outras vacinas do calendário brasileiro, como gripe e tuberculose. O importante, como apontam especialistas, é que a cobertura vacinal seja abrangente: na hipotética marca de 100% de vacinados, uma vacina com eficácia de 50% seria suficiente para conter a disseminação do vírus.
"Como no mundo real ela não é a única vacina sendo aplicada, e há outras com maior efetividade, é de se esperar que essa imunidade coletiva seja atingida ainda antes [dos 100%]", comenta Zárate-Bladés.
Por falar em mundo real, os primeiros resultados da Coronavac fora da fase de teste começam a surgir – e são animadores, conforme divulgado pelo governo paulista em 31 de maio. Em Serrana, no interior de São Paulo, 95,7% dos maiores de 18 anos receberam as duas doses da vacina entre 14 de fevereiro e 10 de abril – considerando a população total do município, isso representa 60%.
De acordo com os dados da pesquisa, a vacinação em massa reduziu em 95% as mortes, em 86% as hospitalizações e em 80% os casos sintomáticos. Outro estudo recentemente realizado em Manaus também concluiu que a Coronavac tem 50% de eficácia contra a variante gama (P.1, detectada inicialmente em Manaus). Além do Brasil, a vacina é utilizada em mais de 20 países – entre eles, Chile, Uruguai, Indonésia e, claro, China.
AstraZeneca
Desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, em parceria com o conglomerado farmacêutico AstraZeneca, trata-se de uma vacina feita a partir de vetor viral não replicante – no caso, um adenovírus de chimpanzé modificado. Usada amplamente no Reino Unido e na União Europeia, foi a segunda a começar a ser aplicada no Brasil. Está sendo utilizada também em mais de outros 40 países.
Estudos científicos já publicados constaram que sua eficácia em prevenir os sintomas de covid-19 são de 76% 22 dias após a aplicação da primeira dose. Após a segunda, sobe para 81,3%. Outros estudos constataram que, após as duas doses, ela é 66% efetiva contra a variante alfa (detectada inicialmente no Reino Unido) e 60% contra a delta (identificada pela primeira vez na Índia).
No Brasil, o imunizante vem sendo produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz). Depois da liberação em caráter emergencial concedida pela Anvisa em 17 de janeiro, houve aprovação definitiva da agência reguladora em 12 de março.
Pfizer-Biontech
Aprovada e usada tanto pela União Europeia quanto pelos Estados Unidos, feita com uma tecnologia considerada mais moderna, com maior eficácia e menos relatos de efeitos colaterais, a vacina desenvolvida pelas farmacêutica americana Pfizer e e a empresa alemã Biontech tornou-se a mais disputada nos postos de saúde brasileiros. Oficialmente, seu nome é Cominarty.
Como precisa ser armazenada em temperaturas entre 15 e 25 graus negativos, acabou, no Brasil, sendo distribuída apenas nas cidades maiores, por questões logísticas. Embora as fabricantes recomendem que as duas doses sejam aplicadas com um intervalo de três semanas, o Ministério da Saúde determinou que, no país, a segunda dose só seja injetada três meses depois – nos argumentos oficiais, baseou-se na política adotada pelo Reino Unido. Na Alemanha, a recomendação é um intervalo de seis semanas.
A vacina funciona a partir de tecnologia mRNA, ou RNA mensageiro. Isso significa que é inoculado no corpo um pequeno código genético que dá instruções para que as células do próprio organismo produzam moléculas similares ao coronavírus, ativando o sistema imunológico.
Estudos de efetividade concluíram que ela tenha de 88% a 95% de eficácia. E a proteção é semelhante para as variáveis alfa (86% a 92%) e levemente inferior nas beta, identificada pela primeira vez na África do Sul (71% a 79%), e delta (75% a 82%).
Janssen
Desenvolvida pela farmacêutica Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson – por isso também é conhecida como "vacina da Johnson” –, tem a grande "vantagem" de ser aplicada em dose única. Os dois primeiros lotes do imunizante, aprovado pela Anvisa para uso emergencial desde março, chegaram ao Brasil nesta semana.
Assim como o da AstraZeneca, é um imunizante de vetor viral não replicante. Seus testes clínicos foram realizados em diversos países – no total, participaram 44 mil pessoas. Houve certa variação nos resultados, mas a eficácia foi de 72% nos Estados Unidos, 68% no Brasil e 64% na África do Sul.
"Variações [nos testes clínicos] podem ocorrer de um local para o outro por causa das condições de vida das pessoas. Por exemplo: locais muito aglomerados, como grandes centros, podem influenciar os resultados dos testes", contextualiza Zárate-Bladés.
Um estudo realizado em abril demonstrou que ela é 64% eficaz na prevenção da variante beta.
Sputnik V
A vacina desenvolvida pelo Instituto Galameya de Pesquisa, da Rússia, é feita também segundo a tecnologia de vetor viral não replicante, mas com uma diferença: em vez de um, são dois adenovírus diferentes – o que faz com que cada dose seja formulada de uma forma.
Sua história foi bastante politizada. O governo russo anunciou a aprovação regulatória da vacina antes mesmo do início da fase 3 de testes, em agosto do ano passado. No fim do ano, quando a Argentina anunciou que utilizaria o imunizante, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou dizendo, sem citar o nome da Sputnik V, que "a pré-qualificação de qualquer vacina inclui a revisão e avaliação rigorosa de todos os dados de segurança e eficácia exigidos". Era uma crítica à maneira como os trabalhos do Gamaleya vinham sendo desenvolvidos, sem transparência científica dos dados.
Em fevereiro, cientistas russos publicaram um artigo na revista científica The Lancet demonstrando que a eficácia geral do imunizante era de 91,6%, após testes clínicos com quase 20 mil voluntários.
Micronação encravada na Itália, San Marino foi um dos lugares que utilizou o imunizante russo – e também aplicou nos habitantes a vacina da Pfizer. Em 10 de maio, o Fundo Russo de Investimento Direto, financiador da Sputnik V, comunicou que a vacinação na pequena república tinha sido bem-sucedida e que as vacinas produzidas na Rússia seriam utilizadas num programa de vacinação para turistas estrangeiros.
A Anvisa já autorizou a importação excepcional de milhares de doses do imunizante por vários estados brasileiros.
Covaxin
Trata-se de um imunizante desenvolvido pela farmacêutica indiana Bharat BioTech a partir de vírus inativado.
Resultados da fase 3 de testes, divulgados pela fabricante em abril, indicam que a eficácia da vacina é de 78%. Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Virologia da Índia apontam que a vacina é eficaz contra as variantes alfa, beta, delta e zeta (P.2, identificada pela primeira vez no Brasil).
A Anvisa concedeu, no início de junho, autorização de importação excepcional da Covaxin e a aplicação de 4 milhões de doses no Brasil. A vacina ainda não está em uso no país. A compra do imunizante pelo Ministério da Saúde está na mira da CPI da Pandemia.