"O livro não é modelo fora de catálogo"
30 de maio de 2005O filósofo francês Paul Ricoeur morreu no dia 20 de maio, nos arredores de Paris, deixando uma extensa obra que dialoga diretamente com a tradição de língua alemã. Além de ter sido diretamente influenciado por Martin Heidegger, Ricoeur – nascido em 1913 – traduziu Edmund Husserl para o francês enquanto prisioneiro de guerra na Alemanha e fez uma releitura de Sigmund Freud em Da Interpretação (1965).
Contra a "morte do sujeito"
Enquanto os principais filósofos franceses do pós-guerra – entre os quais Michel Foucault e Jacques Derrida – convenciam o mundo da “morte do sujeito”, Ricoeur se manteve fiel à noção de uma subjetividade consistente, uma posição condizente à (nova) Hermenêutica alemã. Longe de atingir a radicalidade dos pós-estruturalistas e desconstrucionistas, suas reflexões sobre linguagem se atêm ao vínculo real entre palavra e mundo e tangenciam a teoria literária sobretudo em livros como A Metáfora Viva (1975) e Tempo e Narrativa (1983-1985).
A imprensa de língua alemã registrou a morte do pensador francês, destacando suas ligações e contrapontos com sua própria tradição filosófica. O diário Frankfurter Rundschau destaca o protestantismo de Ricoeur e sua insistência em conceitos como culpa, perdão e remissão, e sua leitura hermenêutica da Bíblia mediada pelo alemão Friedrich Schleiermacher. Para o Neue Zürcher Zeitung, Ricoeur é o principal representante da Hermenêutica filosófica, ao lado de Hans-Georg Gadamer.
O diário berlinense tageszeitung lembrou do epidódio que Paul Ricoeur – professor de Daniel Cohn-Bendit, um dos mentores do que viria a ser o movimento verde alemão – viveu como reitor da Sorbonne, cargo que assumiu um ano depois do início das revoltas estudantis, em maio de 1968. Apesar de se opor à reforma tecnocrática que comprometeria a autonomia das universidades francesas, Ricoeur não conseguiu estabelecer diálogo com os grupos radicais maoístas, que exigiam a “detonação da universidade burguesa”. Numa das turbulentas ocasiões daquele ano, alguns maoístas esvaziaram uma lata de lixo na sua cabeça. Ricoeur renunciou ao cargo em 1970 e foi para os Estados Unidos, onde ensinou filosofia nas universidades de Yale e Chicago.
Para o Die Zeit, a morte de Ricouer em Châtenay-Malabry, nas imediações de Paris, no dia 20 passado, anuncia que a filosofia do século 20 está próxima de seu fim.
Vazio da linguagem pública
A associação de escritores PEN fez uma crítica ao discurso público em seu último encontro anual, ocorrido em Bochum, de 19 a 21 de maio. O alvo da denúncia foi a propagação de uma "linguagem rasa e desumana por trás da qual pode se ocultar qualquer coisa". A PEN, atuante na defesa de escritores perseguidos desde 1921, alertou para 15 autores ameaçados de morte, sobretudo escritores residentes na China, dos quais a associação não tem mais sinais de vida há anos. Atualmente seis escritores provenientes do Irã, de Cuba, da Turquia, Argélia, Síria e Chechênia estão exilados na Alemanha.
Leia mais novidades de literatura a seguir >>>
Schiller: o oposto de Goethe
Em seu encontro anual, realizado em Weimar no mês de maio, a Sociedade Goethe (Goethe Gesellschaft) analisou a relação do clássico alemão com seu interlocutor e amigo (não menos clássico) Friedrich Schiller. Diversas conferências do evento destacaram as divergências entre um Goethe intuitivo, cujo ponto de partida era a observação, e um Schiller especulativo, interessado em investigar a idéia por trás das aparências.
Uma divergência clara entre os dois expoentes do Classicismo alemão tocava a função social da literatura. Ao contrário de Goethe, que em diversas obras (entre as quais o romance de formação Wilhelm Meister) questionou a função educativa das artes, Schiller defendia um programa estético edificante. Ao ler o Wilhelm Meister, Schiller não compreendeu exatamente por que Goethe sempre acabava questionando suas próprias afirmações com ironia, gerando ambigüidades de interpretação.
A Sociedade Goethe, fundada em 1885, contextualiza em um ambiente não universitário o discurso acadêmico sobre J. W. Goethe de forma interdisciplinar.
Manuscritos à vista
Exatamente daqui a um ano, em maio de 2006, será inaugurado o Museu de Literatura do Modernismo, no Arquivo de Literatura de Marbach. O edifício já está em pé, só falta o acabamento. Agora os estudiosos e arquivistas de Marbach estão escolhendo os manuscritos a serem expostos. Além do manuscrito original de O Processo, de Franz Kafka, o acervo a ser mostrado ao público deverá incluir documentos valiosos e curiosos do espólio de inúmeros escritores alemães, inclusive de Alfred Döblin e de Heinrich Hesse.
Pobre primo rico
Por ocasião da Feira de Livros de Basiléia, realizada pela terceira vez de 6 a 8 de maio, o editor suíço Egon Ammann comentou a situação do mercado editorial em seu país, comparando-o à Alemanha. Para Ammann, o editor suíço-alemão sofre por depender diretamente do mercado livreiro alemão, mas não ter acesso direto aos canais de distribuição internos do país vizinho.
A editora Ammann, com seu amplo programa de clássicos estrangeiros, inclusive títulos de Lima Barreto e Fernando Pessoa, entre outros escritores ibero-americanos, aposta no cânon literário. Para editores de literatura, afirma ele, a Suíça não é um ponto muito estratégico, considerando que a crítica literária de peso está concentrada em grande parte na Alemanha. Por outro lado, as livrarias suíças são extremamente solidárias, em se tratando de autores locais – um protecionismo que facilita a veiculação interna da literatura suíça.
Quanto às novas mídias, Ammann não acredita que o livro venha a ser substituído por nenhum outro produto: “O livro não é um modelo que está saindo de catálogo, muito pelo contrário. Quanto mais dependermos da eletricidade para nos entretermos comunicativamente e adquirirmos informação, o livro – com seus segredos, perguntas e respostas – tende a ser mais cobiçado ainda, enquanto o sol brilhar sobre nossas cabeças”.
Centro de reabilitação para Nobel
O Centro de Pesquisa Elfriede Jelinek, recém-fundado em Viena, pretende estimular os estudos sobre a obra da escritora austríaca portadora do Nobel de Literatura do ano passado. A idéia é criar um ponto de convergência para estudiosos que pesquisam a obra de Jelinek. O centro sediado na Universidade de Viena é financiado com verbas públicas e patrocínio privado.
"Sobretudo na Áustria é grande o ressentimento contra a escritora e sua obra", comenta Pia Janke, diretora do Centro de Pesquisa: "Queremos contribuir para aprofundar a discussão e garantir o acesso à informação".