(Lou)Cura pela Literatura
27 de março de 2005O escritor e professor Walter Kempowski (Rostock, 1929), homenageado com o Prêmio Thomas Mann deste ano, publicou o último volume da sua monumental obra Echolot. Esta colagem de documentos sobre a Segunda Guerra coloca lado a lado diários pessoais, cartas, trechos de biografias, relatos de época, sem fazer distinção entre criminosos e vítimas.
Depoimentos de prisioneiros de campos de concentração aparecem ao lado de propaganda nazista e reflexões historiográficas escritas a posteriori, compondo um discurso polifônico sobre a maior ruptura histórica do século 20. Neste caso, "autoria" significa apenas compilação, pois Kempowski não escreveu nem uma única linha deste abrangente compêndio.
No quarto e último volume de seu Echolot, intitulado Abgesang 1945, Kempowski – que foi recrutado em 1944, aos 15 anos de idade, como auxiliar na defesa antiaérea – alinhava a colcha de retalhos dos últimos meses da guerra. O coroamento deste diário coletivo foi festejado pela crítica alemã como "um dos mais ambiciosos e impressionantes empreendimentos da literatura alemã" (Süddeutsche Zeitung).
Poesia em baixa na Alemanha
Um em cada dois alemães mal se interessa por poesia e já não lê poemas há muito tempo. Sobretudo os homens são uma negação na arte lírica. Ao que tudo indica, poesia é mesmo coisa da juventude: um em cada dois alemães entre 14 e 19 anos afirma ter lido pelo menos um poema na semana passada, seja voluntariamente ou por obrigação...
A escola com certeza tem uma grande influência sobre isso, mas parece não gerar interesse muito duradouro. Entre leitores de 20 a 29 anos, 63% já não lêem poesia há muito tempo. Isso foi o que indicou uma enquete do instituto de pesquisa Polis, divulgada por ocasião do Dia Internacional da Poesia, 21 de março.
Dar voz a quem se calou à força
Com a coleção Die Verschwiegene Bibliothek (A Biblioteca Calada), os germanistas Joachim Walther e Ines Geipel revelam ao público leitor a literatura proibida pela censura da antiga Alemanha Oriental. A idéia do projeto, explica Walther, é mostrar a vitalidade da literatura escrita pela resistência ao regime comunista.
Os dois primeiros volumes da coleção, lançados durante a Feira de Livros de Leipzig, são Blende 89, de Radjo Monk, e Jahr ohne Frühling (Ano sem Primavera), de Edeltraud Eckert, uma autora que morreu na prisão aos 25 anos, em 1955. Ambos os manuscritos fazem parte do acervo do Arquivo de Literatura Oprimida na República Democrática da Alemanha, reunido por Geipel e Walther entre 2001 e 2004. A coleção, planejada para ter 20 volumes, recebe o apoio de uma fundação responsável pelo trabalho de memória sobre a ditadura socialista alemã.
Novo portal para weblogs literários
O site brasileiro www.wunderblogs.com serviu de inspiração para o mais novo portal de blogs literários da Alemanha: litblogs.net. Os iniciadores do projeto foram Hartmut Abendschein e Markus a. Hediger. A idéia era criar uma plataforma para representar, através de weblogs e RSS-Feeds, autores com criação literária independente.
Ao contrário do modelo brasileiro, o portal alemão só inclui participantes autônomos que tenham seu próprio site. A página inicial do litblogs é, portanto, uma espécie de índice de revista em tempo real, com os respectivos links. O objetivo é abrir o portal para o maior número possível de autores, mas – a fim de garantir um padrão estético mínimo – a aceitação de participantes é decidida em equipe.
Leia a seguir a resenha do livro Theorie-Apotheke: Eine Handreichung zu den humanwissenschaftlichen Theorien der letzten fünfzig Jahre, einschließlich ihrer Risiken und Nebenwirkungen (Farmácia de Teoria: Socorro às Teorias de Ciências Humanas dos últimos 50 anos, inclusive efeitos colaterais e contra-indicações), do teórico de literatura e mídia Jochen Hörisch.
Farmácia de Teoria", do teórico de literatura e mídia Jochen Hörisch
A universidade deixou de ser o principal ambiente de produção teórica e acabou perdendo esta função para a mídia. Este o diagnóstico que levou Jochen Hörisch, professor de Literatura Alemã e Análise Qualitativa de Mídia da Universidade de Mannheim, a abandonar o discurso acadêmico e adotar uma linguagem "humanamente possível" para fazer uma sinopse de 32 teorias das Ciências Humanas dos últimos 50 anos.
"Theorie-Apotheke: Eine Handreichung zu den humanwissenschaftlichen Theorien der letzten fünfzig Jahre, einschließlich ihrer Risiken und Nebenwirkungen (Farmácia de Teoria: Socorro às Teorias de Ciências Humanas dos últimos 50 anos, com efeitos colaterais e contra-indicações) – este o título do manual que introduz o leitor nas mais diferentes abordagens teóricas, da hermenêutica ao deconstrutivismo, da estética da recepção à teoria dos sistemas, do estruturalismo à teoria do discurso.
"O método de filosofar é enlouquecer, para depois curar a loucura." Esta frase do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein serve de epígrafe à Farmácia de Teoria, algo bastante sintomático... Afinal, o livro de Hörisch é um guia de primeiros socorros para impedir que o leitor sucumba à complexidade conceitual de teorias que se proliferam com uma rapidez cada vez maior. Partindo de exemplos bastante mundanos, o autor consegue criar um contexto concreto em que os mais abstratos princípios teóricos parecem plausíveis, sem perder a complexidade.
Efeitos colaterais e contra-indicações
Sua intenção não é "explicar" as teorias, mas sim munir o leitor de informações indispensáveis para poder explorá-las sozinho. Neste sentido, daria para dizer que o remédio de Hörisch tem um efeito homeopático. Após expor os principais sintomas das doenças, agravamentos e complicações que cada teoria procura "curar", o autor apresenta os efeitos colaterais e contra-indicações de cada fórmula.
O grande mérito de Hörisch é se imunizar contra a forma de argumentação das próprias teorias e abordá-las de fora, sem cair nas explicações tautológicas que caracterizam manuais do gênero. Esta Farmácia de Teoria é um dos últimos volumes editados na coleção Die Andere Bibliothek, dirigida até setembro próximo pelo poeta Hans Magnus Enzensberger na Editora Eichborn.