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"Não há mais paraísos para criminosos"

21 de fevereiro de 2017

Operação Lava Jato tenta aprofundar cooperação com países vizinhos. Em entrevista à DW, secretário-adjunto da Procuradoria-Geral da República diz que Brasil quer seguir modelo europeu.

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Polícia federal diante da sede da Odebrecht em São Paulo
Polícia federal diante da sede da Odebrecht em São PauloFoto: Imago/Fotoarena

Prestes a completar três anos, a Operação Lava Jato já tem contornos internacionais. Na semana passada, procuradores brasileiros e de mais dez países (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana e Venezuela) se reuniram em Brasília para estabelecer a criação de equipes conjuntas para investigar crimes cometidos pela empreiteira Odebrecht e outros casos relacionados com a Lava Jato.

Em alguns países, como o Peru, a revelações da Lava Jato, tal como aconteceu no Brasil, já vêm causando terremotos políticos. O Ministério Público enviou até o momento 126 pedidos de cooperação para 33 países. Na outra ponta, os procuradores e a Justiça brasileira receberam 28 pedidos de cooperação, vindos de 18 países.

Em entrevista à DW, o secretário de cooperação internacional adjunto da Procuradoria-Geral da República, Carlos Bruno Ferreira da Silva, afirma que a atuação conjunta de diferentes Ministérios Públicos e outros mecanismos jurídicos mostram que a "ideia de que existem paraísos para criminosos onde eles podem permanecer intocados é um tema do passado".

Com 41 anos, Ferreira atuou como procurador da república nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo antes de ingressar na Secretaria de Cooperacao Internacional em 2015.

DW Brasil: Como vão funcionar essas equipes internacionais conjuntas da Lava Jato? Há algum modelo bem-sucedido que o Brasil e outros países vão seguir?

Ferreira: Esse modelo de equipe faz operações tanto em um território quanto no outro. As equipes são formadas por membros de dois países, que podem ser só do MP ou das policias, ou uma mistura de ambos. A ideia é que provas e evidências colhidas pelas equipes de investigações já tenham validade a partir desse momento, sem que elas necessitem de qualquer outro tipo de validação adicional. Elas então vão poder ser usadas em investigações e processos judiciais. Esse modelo melhora as necessidades de outro país, se conhece melhor como eles entendem a investigação. Também há a uma vantagem das equipes conjuntas em relação à cooperação jurídica tradicional: a rapidez na produção de provas.

Brasilien Carlos Bruno Ferreira
Secretário de cooperação internacional adjunto da Procuradoria-Geral, Carlos Bruno Ferreira da SilvaFoto: PGR/Generalbundesanwalt

Nossa ideia é utilizar o modelo europeu, o Eurojust, o órgão público que congrega os ministérios públicos da União Europeia. Eles têm vários estudos e modelos sobre o tema. Nosso objetivo não é inovar, mas utilizar um modelo já aceito internacionalmente.

O que pode melhorar na cooperação do Brasil com outros países?

Reuniões como a da semana passada têm um significado muito importante porque permitem que todos os países envolvidos tivessem uma noção única de como está caminhando a Lava Jato. Também permitem troca de informações e entender as necessidades de cada país. A partir daí, conhecendo as contrapartes e os procuradores especificamente responsáveis pelos casos em cada país, há uma definição de pedidos específicos para cada país e um contato direto entre as forças-tarefas.

Podemos esperar mais casos de repercussão a partir dessa cooperação anunciada na semana passada?

É sempre difícil prever para onde vai a investigação. Mas não há dúvida de que com mais contato de Ministérios Públicos da América Latina e da Europa, seja nesse caso ou em outros, há um clima de favorecimento ao combate à criminalidade organizada e a possibilidade de alcançar resultados mais efetivos.

Em que circunstâncias a PGR coopera com outros países? Esse canal de contato direto com outros procuradores contorna o Itamaraty e o Ministério da Justiça?

Não, de forma alguma. Todos os órgãos que tratam de cooperação jurídica internacional não só recomendam como estimulam que haja contato direto entre ministérios públicos independente de um pedido formal. Isso facilita que os pedidos sejam mais bem escritos e que a execução deles seja conforme o que o outro país deseja – superando eventuais problemas de tradução ou eventuais problemas de interpretação dos textos enviados.

Já existe muito contato e muita conversa entre MPs, assim como já há conversas entre as polícias – a Interpol, por exemplo, é um órgão clássico nesse sentido. Ainda assim, os pedidos formais de cooperação formais no Brasil sempre passam por autoridade central, via os canais de relações internacionais tradicionais. Tanto quando chegam tanto quando saem. Na maior parte dos tratados penais, a autoridade central é o Ministério da Justiça. Assim, a prova em si, seja ela enviada ou recebida, sempre passa pelo canais do Ministério da Justiça e do Itamaraty.

Advogados de investigados (como os do ex-presidente Lula) já criticaram essa cooperação direta, afirmando que ela estaria ocorrendo à margem do Ministério da Justiça e do Itamaraty.

Não. Isso é uma informação que absolutamente não corresponde à realidade. A cooperação internacional que o Brasil faz – nós somos talvez um dos países que mais avançou nesse tema – é uma cooperação que atende todos os critérios internacionais de órgãos de assistência jurídica.

O que se faz é conversar com nossas contrapartes para melhor executar os pedidos, mas sempre seguindo a legislação brasileira. Todos os pedidos tramitam formalmente via Ministério da Justiça, sejam eles de Lava Jato ou de outros casos brasileiros que envolvam cooperação internacional. É importante frisar que a Lava Jato representa apenas 20 a 25% dos nossos pedidos. É um percentual relevante, mas três quartos dos pedidos não estão atrelados. São muitos outros crimes.

Infografik internationale Reichweite von Operação Lava Jato POR

O Brasil não extradita seus cidadãos e já enfrentou dificuldades em obter a extradição de brasileiros com dupla nacionalidade. Com essa internacionalização da Lava Jato há mais possibilidade de conflitos nesse sentido?

Eu diria que pelo contrário. A experiência dos últimos demonstra que os conflitos ou essa ideia de que existem paraísos para criminosos, onde eles vão permanecer intocados, é um tema do passado. Hoje há uma grande vontade da comunidade internacional de cooperar também nesse tema de extradição. Além disso, mesmo que a Constituição brasileira impeça a extradição de nacionais, temos vários casos recentes de processos no Brasil contra pessoas por crimes que elas cometeram no exterior.

Há alguma preocupação com a independência de alguns Ministérios Públicos que vão fazer parte dessas equipes conjuntas, como o da Venezuela?

Não, não há. Evidentemente os modelos de Ministério Público são diversos. Independente do modelo, cada Ministério Público, na nossa visão e conhecimento, é absolutamente adequado para fazer da melhor forma possível o trabalho que a Constituição lhe impõe. Todos são parceiros e certamente farão muito bem o seu trabalho.

Essa internacionalização da Lava Jato mostra que o Brasil exportou um modelo de corrupção?

Prefiro pensar que essa chamada internacionalização da Lava Jato simplesmente representa que todos os órgãos envolvidos com a Lava Jato têm feito um bom trabalho e que nessa execução de um bom trabalho encontramos casos de corrupção internacional. Há uma exportação do combate à corrupção, mas ainda assim é um modelo que vem sendo estimulado pela comunidade internacional há pelo menos 20 anos. O Brasil está tentando desempenhar melhor o seu papel.