Arte e comércio
21 de dezembro de 2011Às segundas-feiras, um pequeno e conhecido bar berlinense, o Madame Claude, abre espaço para o improviso e a música experimental, no que se chama de xperimontags – algo como "Segundas-feiras experimentais". O mobiliário desse antigo bordel tem disposição invertida no espaço: relógios de cabeça para baixo; mesas e caixas de discos dependuradas no teto.
A decoração "desorientada" é típica do Madame Claude, um dos nichos entre os bares berlinenses abertos à música experimental e ao improviso, inclusive ao jazz – que possui uma forte tradição em Berlim. Ele se tornou amplamente popular nos anos 1920, exatamente quando cruzava o Atlântico para se instalar também na Europa.
Perseguido durante o regime nazista, na Alemanha o jazz ficou acuado em ambientes underground e só ressurgiu no pós-guerra. Nos anos 1950, Berlim tornou-se um centro jazzístico, com hordas de fãs tentando recuperar o tempo perdido anteriormente. Já os aficionados de jazz (tanto músicos, quanto fãs) da então Alemanha Oriental tiveram que engolir uma separação do público e das influências do Oeste, a partir da construção do Muro de Berlim, em 1961.
A queda do Muro, em 1989, significou, entre outros, um boom dos prédios ocupados, ampliando para o leste a cena dos squats, já existente anteriormente na região ocidental da cidade. A abundância de espaço e o baixo custo de vida atraíam artistas e músicos de todas as vertentes – performers, punks, amantes do jazz, do tecno, artistas que trabalham com ruídos etc.. Hoje, esses artistas carregam todas essas influências para definir o cenário cultural da cidade.
Projetos comerciais ou não
No caso específico da música, o governo de Berlim anunciou recentemente uma proposta de reestruturação do atual sistema de fomento estatal a projetos. Enquanto hoje a aprovação dos mesmos é decidida por grêmios de artistas e jornalistas, ela passaria, de acordo com a sugestão, às mãos de pessoas ligadas à música pop, incluindo representantes da indústria.
Um grupo de músicos experimentais e de jazz fundou então na cidade a ONG IG Jazz Berlin, a fim de obter maiores informações sobre esta proposta, que classificam como "nebulosa". A ideia que está por trás disso, segundo eles, é a de dar uma ênfase muito maior a projetos comercialmente viáveis, em detrimento de projetos de arte, que dificilmente atraem o grande público.
O saxofonista de free jazz Ignaz Schick, que se mudou para a capital alemã em 1995, é o diretor da IG Jazz Berlin. Sua ONG, diz ele, foi fundada para defender os interesses dos músicos independentes, como contraponto à reestruturação que está sendo proposta, e não para atacar um plano existente ou se opor a qualquer tipo de mudança.
Schick vê o afluxo de músicos de todo o mundo a Berlim como um efeito colateral bem-vindo da reputação da cidade como polo de apoio à música e à arte underground – uma reputação que, segundo ele, deveria estar atrelada ao fomento estatal de projetos de grande porte. Embora tenha financiado do próprio bolso boa parte de seus trabalhos e colaborações, Schick também esteve envolvido em projetos de grandes proporções, que só puderam ser realizados com verbas estatais.
Pele de cobra
Mesmo assim, o saxofonista mantém-se, de forma geral, otimista em relação às habilidades da comunidade criativa de Berlim de se adaptar a novos desafios. Nada comparado à situação à qual músicos experimentais e de jazz passaram entre os anos de 1998 e 1999, quando foram obrigados a se reorganizar depois que mais de 400 squats foram fechados na cidade. Os coletivos acabaram se alojando nas salas de visita dos apartamentos de seus membros, até serem encontrados novos espaços para os músicos tocarem.
"Naquela época, havia um dogmatismo maior entre as cenas – ou você fazia parte do free jazz ou da música eletrônica; ou era reducionista, ou cantor-autor", explica o saxofonista. "Havia todo esse tipo de gavetas e era difícil se mover entre elas", recorda o músico. Atualmente, diz ele, você pode tocar jazz hoje e noise amanhã, "há muito mais tolerância e interação" entre esses diferentes gêneros. E com toda a sua experiência de se adaptar a novos contextos, a cena da música experimental vai conseguir passar por toda essa atual discussão acerca do financiamento de projetos culturais.
"Berlim é como uma cobra, que está sempre tirando um pedaço da própria pele e deixando crescer uma nova pele ali debaixo. No momento, estamos em uma fase de tentar ter certeza que todos esses tipos de música e arte não comerciais têm um espaço,continuando a ser percebidos em termos de arte – e não em termos econômicos", completa Ignaz Schick.
Autor: Daniel Bishton (sv)
Revisão: Augusto Valente