Morre Siegfried Lenz, cronista do pós-Guerra
7 de outubro de 2014"Descobri cedo que, se você quiser viver de escrever, é preciso ter tenacidade", declarou o escritor Siegfried Lenz, morto nesta terça-feira (07/10), numa entrevista. Genialidade era, para ele, uma qualidade sobrestimada. Ele era também um representante convicto do estilo convencional de narrativa cronológica. "A vida passa cronologicamente, por que deveria ser diferente num romance?", indagava.
Lenz nasceu em 17 de março de 1926 em Lyck, na então Prússia Oriental, na época território alemão. Na Segunda Guerra Mundial, ele caiu em cativeiro britânico e trabalhou como intérprete. Depois da guerra, Lenz começou seus estudos em Hamburgo, mas os interrompeu para se tornar redator do jornal Die Welt. Nessa época, casou-se com Liselotte, uma pintora e ilustradora que morreu em 2006. Em 1951, Lenz passou a viver do seu trabalho como escritor.
Elevados princípios morais
A seu grande tema foi o debate dos crimes nazistas. Lenz foi um escritor de elevados princípios morais. Ele considerava a literatura a memória coletiva das pessoas, e via a si mesmo como o seu cronista. O romance A lição de alemão, publicado em 1968, tornou-se um sucesso mundial. A obra conta a história de um policial que, durante o regime nazista, por um pervertido senso de dever, vigia um amigo pintor que foi proibido de pintar. Lenz questiona a desculpa, então ainda muito frequente, de que as pessoas estavam apenas cumprindo ordens na época nazista.
No romance Heimatmuseum (Museu da pátria, em tradução livre), de 1978, ele descreveu, por meio da narrativa em primeira pessoa do protagonista, o tecelão de tapetes Zygmunt Rogalla, o cotidiano da região da Masúria, no leste prussiano, hoje pertencente à Polônia. Lenz via na reconciliação da Alemanha, especialmente com a Polônia e com Israel, sua missão de vida.
Seus romances e contos várias vezes lideraram as listas dos mais vendidos, mas a crítica literária nem sempre se mostrou convencida: em 2006, um crítico do jornal Frankfurter Rundschau constatou que "o sucesso de público de Lenz sempre se manteve numa estranha desproporção à insatisfação da crítica".
Fundador do Grupo 47
Lenz é considerado, ao lado de Heinrich Böll e Günter Grass, um dos mais importantes representantes da literatura alemã do pós-Guerra. Ele é um dos fundadores do Grupo 47, um encontro literário que serviu de plataforma para a renovação da literatura alemã no pós-Guerra.
Nas décadas de 60 e 70, Lenz se engajou nas campanhas eleitorais do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) e, em 1970, acompanhou o chanceler federal Willy Brandt à Polônia, para a assinatura do Tratado de Varsóvia. Com o acordo, a República Federal da Alemanha renunciava, em definitivo, aos territórios da Prússia Oriental, que desde o fim da Segunda Guerra pertencem a Polônia.
Obra de uma vida
Em julho de 2007, o Arquivo Nacional Alemão confirmou a informação, divulgada por um jornal alemão, de que Lenz e outros escritores famosos, como Martin Walser, haviam sido membros do partido de Hitler na juventude. Lenz argumentou que, sem o seu consentimento, seu nome provavelmente foi incluído num processo coletivo de adesão. O jornal Die Welt comentou que "uma eventual adesão de Lenz e outros ao partido nazista não coloca em xeque, em hipótese alguma, tudo o que eles fizeram e alcançaram".
Mesmo em idade avançada, Lenz lançava quase todos os anos um novo livro. Por último, publicou Amerikanisches Tagebuch 1962 (Diário americano de 1962, em tradução literal), em 2012. Um ano antes, saía o romance A máscara. A obra completa, multipremiada, inclui mais de 45 romances, novelas e contos, que foram traduzidos em pelo menos 35 idiomas. A tiragem mundial gira em torno de 30 milhões de cópias vendidas.
"Eu, de minha parte, nunca me preocupei em justificar a minha vida. Eu olho para os meus livros e penso que minha editora acabou de lançar uma edição de 20 volumes. Deixo para outros opinar se isso basta para a minha vida", disse Lenz em entrevista ao Die Welt, em 2011.
Lenz morreu nesta terça-feira, aos 88 anos, num asilo para idosos em Hamburgo. Sua saúde já se encontrava debilitada há alguns anos, e ele estava preso a uma cadeira de rodas. Ele deixa a sua segunda esposa, Ulla Reimer, com quem se casou em 2010.