Mostra explora complexa relação do pintor Emil Nolde com o nazismo
10 de março de 2014O mito escreveu sua própria história: o célebre pintor expressionista alemão Emil Nolde foi um artista perseguido pelos nazistas, que lhe impuseram a proibição de pintar. No Terceiro Reich, sua obra foi classificada como "degenerada" e por isso excluída do mercado de arte.
Esse foi um mito do pós-guerra na Alemanha Ocidental, cultivado tanto pelo próprio Nolde como por críticos de arte e pela literatura. O romance Aula de alemão, de Siegfried Lenz, leitura obrigatória nas escolas durante vários anos, também tematiza indiretamente o destino de Nolde.
Mas também é verdade que o pintor foi um ardente defensor das ideias nacional-socialistas. Seus textos, sua autobiografia e diversas cartas a nazistas importantes comprovam isso. Estão também incluídos comentários antissemíticos, principalmente contra artistas judeus, como Max Liebermann, e galeristas de origem judaica, como Bruno Cassirer. Mesmo após o início da Segunda Guerra Mundial, Nolde lutou por reconhecimento pelos nazistas.
Um caso complicado
O "caso Nolde" é altamente complexo. As obras de Emil Nolde foram, realmente, proibidas pelos caçadores de arte nazistas, muitas estiveram expostas em Munique na infame mostra Arte degenerada, de 1937. Ele foi proibido de manter contato com galerias e com o mercado de arte e, assim, de ganhar seu sustento como artista.
Por outro lado, a posição de Nolde em relação ao nazismo já é conhecida há muito tempo, e não apenas nos círculos especializados. Quem quisesse podia ler a respeito na biografia do pintor. Mas isso pouco prejudicou o mito do "artista degenerado".
É um mérito da mostra em cartaz no Museu Städel de Frankfurt até 15 de junho – a primeira grande retrospectiva Nolde dos últimos 25 anos – apresentar e interpretar essas questões tão complexas. Por esse motivo, o evento também deverá representar o início de um estudo científico e abrangente sobre o pintor. No catálogo da mostra, dois historiadores da arte prestam uma bem fundamentada contribuição inicial.
Apreciação transparente
Em entrevista à Deutsche Welle, Felix Krämer, curador da exposição, e Max Hollein, o diretor do museu, mostraram concordar plenamente entre si. "O motivo dessa exposição foi justamente também lidar da forma mais transparente possível com a história de Nolde", disse Hollein.
Segundo o diretor do Museu Städel, pela primeira vez, o essencial é tratado e publicado. "Uma retrospectiva sobre um artista assim mostra, por um lado, o desenvolvimento da obra como um todo. Mas também aborda intencionalmente o desenvolvimento, a recepção e a história desse artista durante épocas diferentes." No caso de Nolde, isso é "uma necessidade", afirma Hollein.
Krämer, responsável pela composição da mostra de Nolde em Frankfurt, concorda com Hollein e diz que o fato de a mostra estar agora no foco de um debate histórico e também moral não o incomoda. "Acho importante que se fale sobre isso. Quando se realiza uma exposição sobre Emil Nolde em 2014, é perfeitamente natural que os fatos históricos sejam apresentados e discutidos."
Nolde na Chancelaria Federal
No entanto, o curador apela por uma abordagem diferenciada de Nolde. Trata-se de "um tema complexo", que não se adequa às "manchetes fáceis". Uma delas poderia ser: "Arte nazista no prédio da Chancelaria Federal da Alemanha" – pois pinturas de Emil Nolde estão penduradas na sede do governo, em locais de destaque.
Fotos oficiais recentes do centro de poder em Berlim mostram a chanceler federal Angela Merkel numa conversa com o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, tendo como pano de fundo a pintura A onda, de Nolde. Também o ex-chanceler federal Helmut Schmidt era um admirador do pintor, e gostava de se apresentar diante de seus quadros.
Esse quadros devem ser agora retirados? Provavelmente não. Krämer ressalta a "outra história": "Nenhum outro artista teve a obra tão maciçamente confiscada nos museus alemães". Segundo o curador, "a grande proibição que lhe foi imposta foi muito drástica", também desencadeando um drama pessoal. Além disso, em 1937 o artista tinha 70 anos, idade bastante avançada para a expectativa de vida da época.
Nem herói nem vítima
Krämer destaca que Emil Nolde não se presta ao papel de "herói incondicional, como por vezes aconteceu na Alemanha Ocidental do pós-Guerra". É preciso registrar seu caso em toda a sua complexidade, pois não é fácil diferenciar entre a atitude ideológica de Nolde – que não pode passar despercebida – e a condenação artística pelos nazistas.
A chave de esclarecimento está no fato de a obra de Nolde não corresponder, em grande parte, às concepções artísticas ideológicas dos líderes nazistas. Diferentemente de artistas abertamente ligados ao regime, como a cineasta Leni Riefenstahl, o escultor Arnold Breker ou alguns poetas de ideologia "sangue e pátria", Nolde criou uma obra que também mostrava a cara ruim da humanidade.
Apesar disso, ele pintou e desenhou também paisagens e campos de flores, classificados por certos nacional-socialistas como pura "arte alemã". Mas, em seu radicalismo e modernidade, os óleos e aquarelas de Emil Nolde que mergulhavam em temas religiosos e sociais forçosamente ofendiam os nazistas mais ideologicamente simplórios e provocavam os líderes do regime.