Mobilização russa: o que dizem as mulheres dos desertores
28 de outubro de 2022Quatro semanas após o início da mobilização militar parcial, em 21 de setembro, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que a ação seria concluída em breve, mas não precisou uma data. Nesse ínterim, centros de recrutamento foram fechados em Moscou, mas vários ainda seguem ativos em diversas regiões. Dados oficiais apontam que 300 mil cidadãos devem ser convocados para o Exército. Desse total, 222 mil já foram chamados, de acordo com Putin.
Muitos homens em idade militar têm deixado a Rússia desde o fim de setembro. As esposas de parte desses desertores, no entanto, permaneceram no país. Três delas contaram suas histórias à DW. Por razões de segurança, seus nomes foram alterados nesta reportagem.
"Parece que tudo está em chamas"
Dariam de 25 anos, trabalha como redatora na cidade de Chelyabinsk, no sudeste da região de Ural – uma vasta área montanhosa que divide a Rússia europeia e asiática –, e até recentemente não costumava se interessar por política: "Eu não conseguia determinar o que era falso e o que era real." Ela considerava a guerra uma catástrofe e tentava não pensar no assunto. Simplesmente recalcava o problema. Mas quando a mobilização parcial começou, Daria sentiu medo pelo marido Alexei. Ela estudou as leis e decidiu, junto com o companheiro, que ele deveria deixar o país.
Alexei foi para o Cazaquistão, onde é autorizado a permanecer sem passaporte – que ele não tem. Antes da partida do marido, Daria não conseguia dormir. Ela cuidou de todos os preparativos, dos papéis, procurou um apartamento para o companheiro e descobriu qual seria o melhor local para atravessar a fronteira.
Alexei seguiu o plano feito pela esposa e passou a fronteira sem nenhum problema. Atualmente, vive num apartamento na capital Astana, onde trabalha como fotógrafo.
"Em termos de trabalho, contatos e perspectivas, as coisas são melhores lá do que em Chelyabinsk", afirma Daria.
De longe, ela continua ajudando o marido: numa loja online, encomendou travesseiros, um cobertor, roupa de cama e uma chaleira para a nova casa dele, e também enviou um pacote com roupas de inverno. Um problema enfrentado pelo casal é a internet, que não funciona tão bem para Alexei no Cazaquistão, impedindo chamadas regulares de vídeo.
Daria, no entanto, solicitou um passaporte e, em breve, quer partir para junto do marido. Devido à lei marcial imposta por Putin na região do Donbass, no leste da Ucrânia, ela teme que as autoridades russas possam fechar as fronteiras: "Não quero nem pensar em permanecer aqui e ele lá. É muito difícil e triste. Temos um ótimo relacionamento, estamos juntos desde 2017." A jovem só se mostra feliz em meio a essa situação pelo fato de ela e o marido ainda não terem filhos.
No momento, outra preocupação é com seus pais, que vivem em Chelyabinsk: "Eles são patriotas, não posso fazê-los mudar de ideia porque eles ainda precisam viver aqui. No Cazaquistão, todos os problemas que meu marido enfrenta podem ser resolvidos. Aqui temos a sensação de que tudo está em chamas".
"Nosso filho ainda não entende onde está o pai"
Quando Putin ordenou a mobilização parcial, Olga, de 32 anos:que vive em Murmansk, no extremo norte da Rússia, pensou imediatamente que todos os homens aptos para o serviço militar seriam chamados. Por isso, ela e o marido, Artjom, decidiram que ele deveria deixar o país. A família dele não ficou contente com a decisão, mas também não interferiu. A mãe de Artjom tem uma casa na região de Donetsk. Ela quer que a área se torne russa, mas com perdas mínimas. E o pai acha que o filho deveria ter ido para a guerra.
Olga ajudou o marido a resolver tudo o que ainda precisava ser feito em Murmansk: "Tivemos que falar com a família e angariar dinheiro para a viagem. Procuramos por passagens, mas não havia mais nenhuma. Artjom fez as próprias malas. Ele sabe muito sobre turismo. Levou uma mochila, um saco de dormir, roupa de baixo quente, um kit de primeiros socorros e comida."
O marido deixou Murmansk em 27 de setembro e dois dias depois chegou ao Cazaquistão. Durante toda a viagem, não se sabia ao certo se a Rússia fecharia as fronteiras.
"É bom que ele tenha ido embora agora. Pelo menos não me preocupo mais que o encontrem e o convoquem", diz Olga.
Artjom tem uma autorização de residência no Cazaquistão. Junto com outros homens com quem viajou, vive num apartamento em Almaty, e procura oportunidades para abrir um negócio próprio.
Olga e Artjom têm um filho de quatro anos. Esta é a primeira vez que a família se separa por um período tão longo. Decisões importantes são tomadas em conjunto, mas agora via Messenger. Devido à má qualidade de conexão de internet, chamadas de vídeo raramente são possíveis. Por isso, o casal grava vídeos.
"Nosso filho ainda não entende onde está o pai. Quando vê vídeos dele, chora e quer falar com ele. Ele sente falta do pai." Olga continua em sua vida habitual, trabalhando como pedagoga: "Apesar de todas as notícias terríveis, há um cotidiano."
Por um lado, ela quer se juntar ao marido, por outro, tem dificuldade em abandonar a rotina: "Meu marido e eu falamos de vender o apartamento, mas eu não estou pronta para isso. Não sei o que precisaria acontecer para eu desistir de tudo e partir. Provavelmente, um míssil teria que cair aqui, então eu fugiria imediatamente."
"Mulheres não têm como parar a guerra"
Elena, 41 anos, é psicóloga e vive em Arkhangelsk, no norte da Rússia. Com o início da mobilização parcial, decidiu-se que o marido e o filho deviam fugir para a Armênia. O rapaz recebeu dispensa do Exército em meados do ano, após completar o serviço militar, e atualmente frequenta a universidade.
"Com a mobilização, ele está entre os primeiros a serem convocados. Eu não quero arriscar a vida e a saúde do meu filho", diz Elena.
Assim que a guerra começou, a empresa em que o marido de Elena trabalha mudou-se para Ierevan, capital da Armênia. Portanto, estava claro para onde ele e o filho deveriam ir, só precisavam chegar lá de alguma forma. Elena temia que os dois não conseguissem sair da Rússia antes que as fronteiras fossem fechadas. Assim, já em 24 de setembro, partiram para a fronteira com a Geórgia.
Na época, Elena foi uma espécie de "centro logístico" para o marido e o filho. "Antes disso, tive um tipo de depressão e estava arrasada. Mas quando as soluções surgiram, ganhei um impulso de energia", lembra.
Os dois homens conseguiram atravessar a fronteira em um dia, o que, segundo Elena, agora se tornou parte da história da família.
Eles continuam se adaptando a Ierevan, acostumando-se, por exemplo, com a culinária armênia. Enfrentam dificuldades com transferências de dinheiro, e ainda não está claro como o filho vai continuar os estudos universitários. Mas, apesar da separação, Elena se sente melhor agora.
"Eles estão seguros. As coisas ruins não estão acontecendo com a nossa família, mas com o nosso país. Estamos nos ajustando a tudo, esses problemas não vão nos derrubar, mas sim nos tornar mais fortes."
A intenção de Elena era visitar o marido e o filho até o fim de outubro e levar-lhes roupas quentes. Ainda não há um plano de mudança definitiva para Erevan. Ela se engaja socialmente em Arkhangelsk e quer seguir fazendo-o enquanto for possível.
A respeito das mulheres que enviam seus homens para a guerra, afirma: "Elas pensam que esse conflito é algo como uma grande guerra patriótica." Elena acredita que no momento as mulheres correm menos risco na Rússia do que os homens: "Podemos assumir os lugares deles e tomar decisões que tragam uma mudança à política do país. Mas as mulheres não têm como parar a guerra."