Lula vai à África para tentar recuperar espaço perdido
14 de fevereiro de 2024A África, uma das prioridades da política externa brasileira nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (de 2003 a 2010), volta a receber atenção do governo brasileiro neste terceiro mandato.
Em agosto passado, Lula esteve em Angola. Nesta terça-feira (13/02), embarcou para uma viagem oficial ao Egito e à Etiópia. No Cairo, está marcada uma reunião com o presidente Abdel Fattah El-Sisi para quinta-feira. Em Adis Abeba, Lula será um dos convidados, no sábado e domingo, da cúpula da União Africana (UA).
Ambos os países são de importância estratégica para o Brasil, pois desde o início do ano fazem parte do Brics. O grupo, que inicialmente reunia Brasil, Rússia, Índia e China e depois acolheu também a África do Sul, ganhou cinco novos integrantes no início de 2024.
"As relações com a África continuam sendo um traço fundamental da nossa projeção Internacional. Elas são um trunfo", diz o diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), Gelson Fonseca Junior. O CHDD é ligado ao Ministério das Relações Exteriores.
Ele observa que muitos países do continente africano apresentam elevadas taxas de crescimento. "A importância geopolítica deles aumenta, e por isso é mais importante ainda que essa relação frutifique e se aprofunde."
Para o especialista em relações internacionais Maurício Santoro, "faz sentido que o presidente visite o Egito e a Etiópia", pois esses dois países despontam para a política externa brasileira por razões que estão ligadas aos Brics e à dinâmica do comércio internacional. "Há um esforço do governo Lula de relançar essa diplomacia africana e fazer com que ela volte a ter o peso que ela teve no passado recente."
Mas Santoro pondera que "são também nações que vêm de uma história muito conturbada nos últimos anos", referindo-se ao golpe de Estado de 2013 no Egito e à recente guerra civil na Etiópia, e por isso "há que se moderar as expectativas daquilo que o Brasil vai realmente ser capaz de alcançar nessas relações bilaterais".
Convidado da UA
O Brasil, ao contrário das antigas potências coloniais europeias, desperta associações positivas em muitas pessoas no continente africano. Além disso, é também o país com a maior população de descendentes de africanos no mundo e divide com muitos países africanos a traumática herança da escravidão imposta por Portugal.
Hoje a nona maior economia do mundo, o Brasil é, para muitos africanos, um modelo tanto econômico como em aspectos sociais. A recepção que Lula terá na cúpula da União Africana em Adis Abeba, de quarta a quinta-feira, certamente refletirá essa percepção positiva.
Esse bônus de simpatia e as relações históricas contrastam, porém, com a perda de influência econômica e política que o Brasil vivencia na África.
Ao contrário da China e da Rússia, que nos últimos dez anos continuamente ampliaram suas relações com o continente, o Brasil viu sua importância econômica diminuir. De 2013 a 2023, o comércio com a África caiu de 28 bilhões de dólares para 21 bilhões.
Em 2023, o comércio entre o Brasil e a China somava 157 bilhões de dólares. Já as exportações e importações entre Alemanha e Brasil chegavam a 19 bilhões.
Os motivos para o gradual afastamento do Brasil são muitos. Entre eles estão a longa crise política iniciada em 2013, as crises econômicas que se seguiram, e os efeitos da Operação Lava Jato, que gerou denúncias de corrupção contra empreiteiras brasileiras também na África. Por fim, o ex-presidente Jair Bolsonaro sempre mostrou pouco interesse pelo continente africano.
África na agenda do G20
Em Adis Abeba, Lula que engatar a recuperação das relações. Tanto a UA como a União Europeia (UE) fazem parte do G20, que reúne os principais países industrializados e emergentes. Este ano, a presidência do grupo é do Brasil.
O presidente brasileiro foi um dos apoiadores da entrada da UA no G20, o que se confirmou na cúpula do grupo na Índia, em setembro passado. Lula já declarou que quer colocar temas do interesse da África, como o combate à fome e à pobreza, na agenda do G20.
O Brasil tem resultados a mostrar no combate à fome, pois programas sociais lançados na década de 1990 e ampliados durante os dois primeiros mandatos de Lula contribuíram significativamente para a redução da pobreza no país.
Fome e pobreza aumentam
De acordo com o IBGE, cerca de 44 milhões das 182 milhões de habitantes do Brasil sofriam com a fome em 2003, ou seja, quase um quarto da população de então. Em 2009, a proporção caiu para pouco menos de 6% da população total de 194 milhões, cerca de 11 milhões de pessoas.
Desde 2016, no entanto, a situação continuou a se deteriorar. Em 2022, 33 milhões de brasileiros passavam fome, cerca de 16% da população.
O número de pessoas afetadas pela fome e pela pobreza está crescendo também no mundo. Em 2016 eram 585 milhões de pessoas e, em 2022, 735 milhões. No ano passado, o número aumentou para mais de 800 milhões.