Os desafios que o Brasil enfrentará à frente do G20
Publicado 9 de setembro de 2023Última atualização 1 de dezembro de 2023O Brasil assume nesta sexta-feira (01/12) a presidência rotativa do G20 pela primeira vez. O alto endividamento de economias emergentes, a fragmentação geopolítica global e a guerra na Ucrânia devem ser os desafios que o país enfrentará enquanto estiver à frente do grupo, na opinião de especialistas ouvidos pela DW.
O combate à desigualdade, à fome e o desenvolvimento sustentável no mundo devem ainda serem os temas-chave ao longo deste período, segundo declarações do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, feitas em setembro. Sobre o conflito no Leste europeu, o diplomata afirmou que o governo brasileiro condenou a invasão dao Rússia à Ucrânia, inclusive em foros internacionais, no entanto, busca um caminho para a paz.
Analistas avaliam, contudo, que o Brasil é ambíguo sobre a guerra. "Os votos do país na ONU e as declarações do MRE são bastante moderadas, criticando a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas as falas do presidente Lula e as falas do embaixador Celso Amorim, assessor Internacional, são muito mais simpáticas à Rússia. Embora reconheçam que a guerra é ruim, culpam muito mais o Ocidente que pelo conflito, além da Otan", diz o cientista político Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha.
Tema não prioritário
A guerra na Ucrânia, porém, é tratada como um tema não prioritário para a presidência rotativa brasileira por instituições relacionadas ao evento. "Não entendemos que o conflito deva ser um tema prioritário do G20. Se conveniente, pode até haver uma manifestação a favor de negociações de paz. Mas esse tema não deve ser dominante no G20 e no T20", alertou o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), José Pio Borges.
O T20 é uma representação da sociedade civil que reúne think tanks e centros de pesquisa dos países do G20 em cada presidência. Foi criado em 2012, durante a presidência mexicana, e no Brasil será coordenado pelo três instituições: o CEBRI, a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao MRE, e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento. O grupo participa de conferências e elabora de documentos para influenciar as orientações, recomendações e declarações finais do G20.
"Paz e segurança não são temas que costumam ser tratados no G20. Contudo, obviamente os impactos das guerras devem ser discutidos dentro de suas perspectivas para a agenda do desenvolvimento e dos condicionantes para o seu financiamento", disse à DW a presidente do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, que participou do primeiro encontro do T20 no Rio, junto aos demais integrantes, em setembro.
Para Mauricio Santoro, se existe a possibilidade e interesse de o Brasil se tornar um mediador pela paz, ele precisará deixar clara sua posição sobre a guerra e enfrentar o tema. O cientista social reforça que dentro do governo brasileiro há visões em conflito sobre a guerra e alguns países preferem ficar neutros, como a Índia.
"Entendo essa relutância do Brasil, mas o que compreendo que essa é a grande questão de política internacional do momento", conclui. Se o G20 decidir ficar de fora dessa discussão, Santoro questiona o que então será discutido: "Se quiser realmente enfrentar os grandes problemas, o resultado será uma série de declarações vagas e genéricas sobre a importância do desenvolvimento econômico. Esse é um dilema que vai se colocar para o Brasil".
Fragmentação da economia global
A presidência brasileira enfrentará outras questões, em especial, diante das bandeiras do combate global à fome, desigualdade e defesa do desenvolvimento sustentável. Países em desenvolvimento estão com dívidas públicas elevadas ou impagáveis, segundo o ex-vice-presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto.
"Isso é um problema grave. Vai ter de ter uma reestruturação com perdão de dívida. Mas quando se consegue um acordo, como agora o de Zâmbia, é limitado. O arcabouço que idealmente teria de ser corroborado e adotado por todos os países do G20, que são credores, não está lá", afirma o economista.
Além disso, há um impasse entre, de um lado, os governos de países credores avançados, cujo crédito agora é proporcionalmente menor, porque já perdoou dívidas no passado, e de outro, China, querendo seguir no caminho próprio bilateral, afirma ele. Outro desafio é a crescente fragmentação da economia global. "É um problema que terá de ser discutido de uma forma ou de outra, mesmo que não se ache uma solução", afirma Canuto.
O mundo vem fragmentado desde a guerra comercial iniciada pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump contra a China, rupturas nas cadeias de valor com a pandemia e busca da nacionalização na produção de bens, além da guerra da Ucrânia, que acirrou o componente geopolítico. A despeito das adversidades, há otimismo para a presidência brasileira.
"Há uma expectativa de que o Brasil assuma um papel central na agenda ambiental, tanto climática quanto da transição energética, e ao mesmo tempo avance na discussão sobre o multilateralismo, o financiamento para o desenvolvimento, e declare a centralidade de uma agenda de combate às desigualdades", conclui a presidente do Ipea. Ela afirma ainda que o G20 pode apoiar a preparação da COP 30, que será sediada pelo Brasil em 2025.
Especificamente quanto ao BRICS, Mauricio Santoro alerta que a entrada de mais países, definida na cúpula de agosto do bloco, foi mal-recebida pelos Estados Unidos e Europa. Este é outro elemento dissonante no âmbito do G20.