Lula pede desculpa a Fernández por "grosserias" de Bolsonaro
24 de janeiro de 2023O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido nesta segunda-feira (23/01) por seu colega argentino, Alberto Fernández, na Casa Rosada, sede do governo do país, em Buenos Aires.
O mandatário brasileiro de 77 anos realiza sua primeira visita de Estado após retornar à presidência, com o objetivo de reinserir o Brasil na arena política internacional.
Em conferência de imprensa ao lado de Fernández, Lula pregou a restauração das relações bilaterais após o que apontou como danos causados pelo governo de Jair Bolsonaro, e se desculpou pelo tratamento dado ao governo argentino por seu antecessor.
"Estou, na verdade, pedindo desculpas ao povo argentino por todas as grosserias que o último presidente do Brasil, que eu trato como um genocida por causa da falta de responsabilidade no cuidado com a pandemia, por todas as ofensas que ele fez ao companheiro Alberto Fernández", afirmou Lula.
"Hoje é a retomada de uma relação que nunca deveria ter sido truncada. A minha presença como primeira viagem feita depois da minha eleição a um país estrangeiro é para dizer ao meu amigo Alberto Fernández que nós vamos reconstruir aquela relação de paz, produtiva, avançada, de dois países que nasceram para crescer, se desenvolver e gerar melhores condições de vida para os seus povos", disse o petista.
Bolsonaro teve uma relação conturbada com Fernández. Em outubro de 2020, ao fazer críticas ao governo do país vizinho e à legalização do aborto, disse que lamentava, mas era isso que o povo argentino "merece". Em suas lives semanais, Bolsonaro também disse algumas vezes que a Argentina caminhava para se “tornar uma Venezuela”. Em agosto de 2021, porém, eles se encontraram durante a cúpula do G20 e posaram para uma foto se cumprimentando e sorrindo.
Moeda comum para transações
Fernández, em sua fala, elogiou os dois mandatos anteriores de Lula no Planalto. "Vi como liderou políticas públicas que tiraram da pobreza milhões de pessoas e como liderou a região", disse o argentino, segundo o qual o petista "não vai deixar que nenhum fascista no Brasil se aposse da soberania popular".
"O Brasil teve de atravessar Bolsonaro, a Argentina teve de atravessar [o governo do ex-presidente Mauricio] Macri, agora é o momento de entrar numa nova etapa em nossos países", afirmou Fernández, acrescentando que os dois povos "só querem bem-estar e justiça".
Em um artigo assinado pelos dois líderes e publicado no domingo, Lula e Fernández manifestaram o objetivo de reforçar as relações estratégicas e a integração econômica, o que incluiria a criação de uma moeda comum sul-americana para transações financeiras e comerciais. Não se trata de uma moeda única, como o euro, mas uma forma de realizar transações entre os dois países sem ter que recorrer ao dólar para a conversão.
Segundo o artigo, publicado no portal argentino Perfil, a meta de ambos os governos é "superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais".
Na coletiva desta segunda-feira, Lula afirmou que confirmou que os países já trabalham com esse objetivo e disse que, para ele, o ideal seria que "não fosse necessário sempre ter o dólar como referência".
O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec) da Argentina. Em 2022, o país foi o destino de 14,3% das exportações argentinas, no valor de 12,7 bilhões de dólares, alta de 7,6% em relação ao ano anterior.
Por outro lado, importações vindas do Brasil superaram a marca de 16 bilhões de dólares, alta de 28,8% em relação ao ano anterior, e representaram quase 20% das compras argentinas no exterior.
Brasil de volta à Celac
Lula e Fernández participarão nesta terça-feira da 7ª cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), ao qual o Brasil voltou após alguns anos de ausência.
O Brasil ficou fora da entidade, que inclui 33 países, após Bolsonaro considerar que ela dava protagonismo a "regimes não democráticos, como os da Venezuela, Cuba e Nicarágua".
O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que Lula pretende sinalizar um "compromisso com os espaços de diálogo e conciliação regional".
A reunião contará com a presença de líderes de cerca de 15 países, incluindo o cubano Miguel Díaz-Canel, o colombiano Gustavo Petro, o chileno Gabriel Boric, o equatoriano Guillermo Lasso e o boliviano Luis Arce.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que estava cotado para participar da cúpula, não confirmou presença. Um encontro programado entre ele e Lula nesta segunda-feira na capital argentina foi cancelado, segundo o Itamaraty, após um pedido de Maduro.
A possível presença do líder venezuelano gerou tensões nas horas que antecedem o início da cúpula, em razão de Maduro ter sido denunciado por organizações civis na Justiça argentina por violações de direitos humanos. Alguns líderes da oposição argentina pediram que ele fosse preso logo ao chegar ao país.
Na coletiva na Casa Rosada, Lula criticou a oposição na Venezuela e disse que "se fez uma coisa abominável com a democracia" com o reconhecimento do líder opositor Juan Guaidó como presidente interino. Vários países em todo o mundo chegaram a reconhecer Guaidó como presidente, mas o esforço da oposição de se impor ao governo de Maduro acabou fracassando.
O presidente brasileiro também defendeu o fim do embargo econômico contra Cuba. "Eles querem ter o modelo deles, e nós temos que ajudar naquilo que pudermos".
Troca no comando do Exército
Ao ser perguntado por jornalistas se a troca no comando do Exército brasileiro teria resultado na normalização das relações com o governo após aos atos golpistas de 8 de janeiro, Lula disse que as "Forças Armadas não existem para servir a um político, e sim, para proteger o povo brasileiro."
"Todas as carreiras de Estado não podem se meter na política no exercício de sua função, porque essa gente tem estabilidade, essa gente não pertence a nenhum governo, pertence ao Estado brasileiro. Eles precisam aprender a conviver democraticamente com qualquer pessoa", afirmou.
No último sábado, Lula demitiu o então comandante do Exército, o general Júlio Cesar de Arruda, depois de expressar desconfiança sobre o papel das Forças Armadas nos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília.
Em seu lugar, o presidente nomeou o general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, o comandante militar do Sudeste. Na semana passada, o novo comandante do Exército fez uma forte defesa das instituições ao dizer que o resultado das eleições deve ser respeitado e que o Exército deve ser apolítico e apartidário.
"Eu escolhi o comandante do Exército, que não foi possível dar certo. Eu escolhi outro comandante e tive uma boa conversa com esse comandante. E ele pensa exatamente como eu que tenho falado sobre as Forças Armadas."
Antes do voltar ao Brasil, Lula fará também uma visita oficial ao Uruguai na quarta-feira, a convite do presidente Luis Lacalle Pou.
rc/bl (ots)