Joachim Fest, o biógrafo de Hitler, falece aos 79 anos
12 de setembro de 2006Marcado pelo passado alemão, que também foi o seu, Joachim Fest ganhou notoriedade em 1973, ano do lançamento de sua biografia sobre Hitler. Desde então, é difícil separar seu nome do resgate da recente história alemã.
Reconhecido como um dos grandes homens da literatura e do jornalismo alemães, Joachim Fest faleceu na noite de segunda-feira (11/09) em Kronberg, no Estado de Hessen. Em 8 de dezembro próximo, o historiador nascido em Karlshorst, subúrbio de Berlim, completaria 80 anos.
Sendo filho de um professor perseguido pelos nazistas, Fest fez da ditadura nacional-socialista e de suas conseqüências o "tema da sua vida", como declarou em uma entrevista – não por culpa, mas por interesse científico, afirmou Fest, que durante 20 anos pertenceu ao corpo editorial do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
E se todos fazem – ego non
De seu pai, um católico convicto e vítima de perseguição nazista, Fest herdou o "lema de sua vida", transformando no título de seu livro autobiográfico: Eu não. Lembranças de uma infância e adolescência.
As lembranças de Joachim Fest como criança e adolescente sob o regime nazista serão lançadas pela editora Rowohlt em 22 de setembro próximo, uma semana após seu falecimento.
Como explicou à revista Stern, "a palavra de Pedro no Evangelho segundo São Mateus: E se todos fazem – ego non. Eu não!" marcaram sua infância e adolescência em um ambiente familiar que se opôs ao regime de Hitler. "Eu fui criado como um prussiano", afirmava Fest, que fez carreira como um dos grandes intelectuais conservadores da Alemanha pós-guerra.
Da CDU à RAF
Após estudar Direito e História, sua carreira teve início na emissora berlinense RIAS, a rádio do setor americano, em 1961. Como redator-chefe da rede pública de televisão NDR entre 1963 e 1968, Fest enfrentou políticos do seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), que pediam por mais influência na rede. Como conseqüência, ele, que era deputado da CDU pelo distrito berlinense de Neukölln, foi expulso do partido – o que ele realmente não lamentou, afirmou Fest.
Com sua amiga Ulrike Meinhof, que mais tarde se tornaria terrorista da Fração do Exército Vermelho (RAF), Joachim Fest afirmou ter tido as discussões mais calorosas: "Eu tive com poucos tanto prazer de discutir como com Ulrike Meinhof. Sempre que nos encontrávamos em uma festa, nos recolhíamos para um canto e falávamos sobre política", declarou o historiador.
Biógrafo ou marqueteiro de Hitler?
No final dos anos de 1960, Fest licenciou-se de seu posto na NDR para escrever o livro que lhe traria notoriedade. Hitler, a biografia publicada por Fest em 1973, é considerada ainda hoje um das principais obras de referência sobre o ditador. No mesmo ano, Joachim Fest tornou-se chefe da editoria cultural do FAZ, posto que ocupou até 1993.
Para o grande público, ele talvez seja mais conhecido pela adaptação de seu livro No Bunker de Hitler: os últimos dias do Terceiro Reich para o cinema, que deu origem ao filme A Queda, concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2005.
Fest escreveu ainda a biografia de Albert Speer, arquiteto e ministro da Guerra de Hitler. Intelectuais de esquerda e outros colegas historiadores consideram, entretanto, a obra de Fest sobre Hitler como "uma estilização do ditador como uma grande personalidade mundial".
O diretor do Centro de Pesquisas sobre Anti-semitismo em Berlim, Wolfgang Benz, afirma que Joachim Fest foi um dos principais responsáveis pela "promoção da marca Speer no final dos anos de 1960".
Entre os muitos prêmios que recebeu, está o Prêmio Henri Nannen 2006, outorgado a Joachim Fest por sua obra jornalística. Recentemente, o historiador voltou às manchetes devido ao seu engajamento no debate sobre a participação de Günter Grass na Waffen-SS.
Duas personalidades, duas biografias
Por ironia do destino, após oito décadas de vida, Fest e Grass lançaram suas memórias de infância e adolescência durante o regime de Hitler quase que concomitantemente. A ironia ainda é maior por se tratar de duas personalidades completamente opostas, segundo afirma o jornalista Wilfried Mommert, da agência alemã de notícias DPA.
Enquanto o católico e prussiano Joachim Fest conta sua história de forma precisa e cronológica, mas não sem emoção, como salienta Mommert, o descendente de pomeranos Grass o fez de forma literária.
Fest não poupou críticas a Grass, a quem classificou de uma "estridente mentira de vida" e de falso moralista: "Grass sempre foi impiedoso quando se tratava de erros da juventude", afirmou o historiador na última edição de agosto da revista Cicero.
Perguntado sobre a morte pelo semanário Die Zeit, em outubro de 2004, Joachim Fest respondeu que uma vida longa também ensinaria que "as coisas sempre têm duas faces. Isto vale também para os pensamentos sobre a mortalidade, aos quais o mundo deve uma série de obras imortais".