Ex-secretária de Hitler conta os últimos dias do ditador
13 de fevereiro de 2002Durante mais de 50 anos, ela silenciou sobre seu passado a serviço do ditador alemão, a quem acompanhou de perto até seu suicídio no fim da Segunda Guerra Mundial. Agora, Traudl revela sua história no comovente documentário Im toten Winkel (No ponto cego), apresentado domingo à noite na 52ª Berlinale.
Para produzir o filme, o multiartista vienense Andre Heller e o diretor Othmar Schmiderer gravaram muitas horas de conversa com a ex-secretária. Sem trilha sonora de fundo e sem comentários extras, a outrora ajudante do ditador mostra-se uma pessoa inteligente, com observações impressionantes sobre a fase final do regime nazista.
Durante a exibição do monólogo ininterrupto, houve momentos em que o público divirtiu-se com o relato, noutros remexeu-se nas poltronas do salão lotado, como ao ouvir a descrição dos últimos dias de Hitler e o primeiro encontro com Andre Heller. Hoje com 81 anos, Traudl vive encamada, à beira da morte. "Eu liberei minha história e agora a vida está me liberando", disse ela numa das últimas conversas com o idealizador do filme.
"Ela nos devolveu Hitler. Ela não o descreve como um monstro, mas como figura mesquinha, até mesmo idiota, como as muitas que existem em seu país", afirma Heller. O ditador nazista era austríaco de nascença.
Na verdade, Traudl Junge já pusera sua experiência com Hitler no papel em 1947, mas na época ninguém se interessou pelo relato. Somente na década de 90, quando ela ainda trabalhara como jornalista científica, ela tomou coragem de trazer a público sua história.
Heller proibiu que passagens isoladas do depoimento da ex-secretária de Hitler sejam exibidas na televisão. O artista teme que, retiradas de seu contexto, as declarações de Traudl sirvam de munição para os extremistas de direita.
No relato, ela conta que no início sentia-se deslumbrada pelo líder nazista e não tinha condições sequer de vê-lo criticamente. Traudl assegura, porém, que logo esta imagem mudou ao perceber como Hitler era vazio. "Era sempre o mesmo discurso – 'Nós temos de vencer, porque nós temos de vencer'", recorda a ex-ajudante.
Ao dar veneno para sua pastor alemã que uivava, Hitler teria dito à cadela: "Loirinha, cante como Zarah Leander", lembra a testemunha. No bunker do ditador, reinava o humor macabro diante dos previsíveis últimos dias do regime nazista. Discutia-se possíveis opções de suicídio, até que Hitler distribuiu comprimidos de cianido e disse a seus homens mais próximos: "Eu preferia ter outro presente de despedida para vocês."