1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
EconomiaFrança

França reitera exigências para aceitar acordo UE-Mercosul

3 de fevereiro de 2021

Governo francês reafirma que não apoiará pacto na "forma atual" e cobra luta contra desmatamento e adequação às normas europeias, em recado indireto ao Brasil e Bolsonaro. 

https://p.dw.com/p/3oqKq
Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro
Macron e Bolsonaro em 2019. Francês passou a fazer oposição ao pacto após alta do desmatamento no BrasilFoto: picture-alliance/J. Witt

O governo da França reiterou nesta quarta-feira (03/02) suas exigências para suspender o veto ao acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul.

"A França não vai comprometer as exigências que fizemos em 18 de setembro", disse no Twitter o ministro do Comércio Exterior francês, Franck Riester, ao término de uma conversa com o ministro português Augusto Santos Silva, cujo país detém a presidência da UE durante os primeiros seis meses deste ano.

Trata-se da "luta contra o desmatamento", da "implementação do Acordo de Paris" sobre as mudanças climáticas e do "respeito às normas europeias sobre produtos agroalimentares", disse Riester.

Fontes do gabinete de Riester disseram que o governo francês "não apoia o projeto de acordo UE-Mercosul no estado atual" e que dará "o tempo necessário" para que as suas exigências sejam satisfeitas.

Embora nem o ministro nem a pasta tenham mencionado nomes, as exigências são dirigidas particularmente ao Brasil e ao presidente Jair Bolsonaro.

Relatório recomendou oposição

Um relatório independente encomendando pelo governo francês sobre o pacto UE-Mercosul foi apresentado em 18 de setembro, e apontou que o acordo tem potencial de acelerar ainda mais o desmatamento na América do Sul e não prevê mecanismos suficientes para assegurar o combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade.

Logo após a divulgação do relatório, o gabinete do primeiro-ministro francês, Jean Castex, apontou que a UE deve continuar negociando com o Mercosul para garantir três pontos: frear o desmatamento; o respeito ao Acordo de Paris sobre o clima; e que os produtos importados dos países do bloco sul-americano cumpram as normas ambientais e sanitárias europeias.

"Este processo levará tempo", disseram nesta quarta-feira as fontes do Ministério do Comércio Exterior francês, que acrescentaram que não haverá progresso até que "o nível de ambição" estabelecido por Castex seja alcançado "de forma crível, duradoura e verificável". O objetivo é tornar a política comercial coerente com os "compromissos ambientais e climáticos" que a França assumiu.

Divulgado pela imprensa francesa, um documento apresentado pelo governo francês ao Comitê de Acompanhamento da Política Comercial (CSPC), que inclui parlamentares, federações profissionais, sindicatos e ONGs, detalha algumas das exigências.

Entre elas estão a entrada em vigor de uma iniciativa legislativa anunciada pela Comissão Europeia sobre "desmatamento importado"; o restabelecimento da moratória sobre as culturas açucareiras na Amazônia; outra sobre a soja; a retirada de algumas reformas consideradas "prejudiciais" para as florestas; e a implementação de mais esforços contra o desmatamento.

Também é exigida a entrada em vigor no Mercosul, com a ajuda da UE, de um sistema que permita rastrear a origem dos produtos vegetais e animais e a aplicação das mesmas normas de produção em vigor na Europa em termos de saúde e meio ambiente aos produtos importados dessa região. 

Acordo em risco

O acordo UE-Mercosul foi fechado em junho de 2019, após 20 anos de negociações. Para entrar em vigor, depende da ratificação de todos os países envolvidos.

À época, o governo Bolsonaro celebrou o desfecho como um triunfo da política externa, mas não parou de se antagonizar em questões ambientais com vários países da UE, reforçando rapidamente a resistência ao pacto.

A França, que nunca demonstrou entusiasmo com a iniciativa por temores em relação ao seu próprio setor agrícola, acabou liderando a reação. Ainda em 2019, o presidente Emmanuel Macron colocou como condição para a implementação do acordo de livre-comércio um reforço da proteção ambiental no Brasil. Em junho do mesmo ano, ele explicou que o pacto foi finalmente fechado porque Bolsonaro oferecera garantias de preservação do meio ambiente brasileiro.

No entanto, em meados de 2019, diante do crescimento dramático do desmatamento e das queimadas no Brasil, Macron disse que pretendia bloquear a ratificação do acordo por causa da política ambiental de Bolsonaro. Na ocasião, o francês também acusou o brasileiro de mentir sobre compromissos firmados na área ambiental para garantir o sucesso do acordo.

Reação furiosa do Brasil

As acusações provocaram uma reação furiosa e grosseira de Bolsonaro. O brasileiro chegou a endossar uma postagem de um seguidor no Twitter com comentários ofensivos sobre a aparência da primeira-dama Brigitte Macron, sugerindo que o francês teria "inveja" de Bolsonaro. Antes disso, Bolsonaro também cancelou em cima da hora um encontro com o ministro francês Jean-Yves Le Drian, em Brasília, e transmitiu uma live cortando o cabelo no mesmo horário em que a reunião deveria ocorrer.

Ele não foi o único membro do governo brasileiro a agir assim. O então ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou Macron de "cretino" e "calhorda oportunista". O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez um trocadilho com o nome do francês, o chamando de "Mícron". O ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), disse que "a França não pode dar lição a ninguém" e que os franceses "deixaram rastro de destruição" por onde passaram.

Após Macron reagir, outros países europeus seguiram o exemplo diante da falta de ações do governo brasileiro em conter o desmatamento. Três parlamentos na Europa (Áustria, Holanda e o da região da Valônia, na Bélgica) já anunciaram que não darão seu aval ao acordo. O governo da Irlanda também já se manifestou nesse sentido. Em outubro, foi a vez de o Parlamento Europeu apontar que não ratificará o acordo "na sua forma atual". 

Até 2020, a Alemanha ainda constava entre os defensores europeus do acordo. No ano passado, a chanceler federal Angela Merkel chegou a defender publicamente o pacto contra as críticas do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão. Mas no fim de agosto, Merkel, em um claro recado ao Brasil, disse ter "sérias dúvidas" sobre a implementação do acordo. Sua ministra da Agricultura já se posicionou contra.

jps/ek (Efe, DW, ots)