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EconomiaFrança

França reitera oposição ao acordo Mercosul-UE

18 de setembro de 2020

Após receber relatório de especialistas, governo em Paris diz que continua contra pacto comercial com sul-americanos devido a motivos ambientais, formulando três "exigências", incluindo a contenção do desmatamento.

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Queimada em Apuí, no Amazonas
Destruição da Amazônia: relatório diz que pacto com Mercosul pode acelerar o desmatamento na América do SulFoto: Greenpeace/Christian Braga

O governo francês anunciou nesta sexta-feira (18/09) que mantém sua oposição ao acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul devido a motivos ambientais e formulou três "exigências", incluindo o respeito ao Acordo de Paris.

Paris anunciou sua posição após receber um relatório encomendado pelo governo francês a uma comissão de especialistas independentes para analisar os riscos ambientais do acordo, enquanto crescem na Europa as vozes reticentes à sua entrada em vigor.

O estudo, que havia sido adiantado pelo jornal Le Monde nesta quinta-feira, apontou que o pacto tem potencial de acelerar ainda mais o desmatamento na América do Sul e não prevê mecanismos suficientes para assegurar o combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade.

Na avaliação da comissão de experts, o acordo de livre-comércio deve favorecer a abertura de novas áreas de pastagem no bloco sul-americano, com objetivo suprir o aumento da produção de carne bovina destinada à UE. Segundo os cálculos do painel, o ritmo de desmatamento pode aumentar a uma taxa anual de 5% nos seis anos seguintes à implementação do acordo. A destruição poderia chegar a 700.000 hectares (uma área maior que o Distrito Federal).

O informe estima também que "entre 4,7 milhões e 6,8 milhões de toneladas equivalentes de CO2" seriam geradas pelo acordo. Os especialistas ainda questionam se os "ganhos econômicos" do pacto superam "os custos climáticos", com base em um valor de carbono de 250 euros por tonelada.

O documento, de 184 páginas, também classifica o atual acordo entre a UE e o Mercosul, formalizado em junho de 2019, como uma "oportunidade desperdiçada" por parte do bloco europeu. Segundo os especialistas, não foram obtidas garantias suficientes para fins ambientais e sanitários.

Segundo o comunicado emitido pelo governo nesta sexta, o relatório ressalta "o insuficiente nível de ambição” do projeto do acordo comercial como ferramenta para conseguir que os países do Mercosul tenham mais consideração pela biodiversidade e o problema climático.

"O projeto de acordo não contém nenhuma disposição que permita controlar as práticas dos países do Mercosul em matéria de luta contra o desmatamento. Sobretudo isso é o que falta a esse acordo, e essa é a razão principal pela qual as autoridades francesas se opõem ao projeto em seu estado atual", declarou o governo.

Em nota, o gabinete do primeiro-ministro francês, Jean Castex, apontou que a UE deve continuar negociando com o Mercosul para garantir três pontos: frear o desmatamento; o respeito ao Acordo de Paris sobre o clima; e que os produtos importados dos países do bloco sul-americano cumpram as normas ambientais e sanitárias europeias.

Críticas a Bolsonaro

Para entrar em vigor, o acordo – fechado em junho 2019 após 20 anos de negociações – depende da ratificação de todos os países envolvidos. À época, o governo do presidente Jair Bolsonaro celebrou o desfecho como um triunfo da política externa, mas não parou de se antagonizar em questões ambientais com vários países da UE, reforçando rapidamente a resistência ao pacto.

A França, que nunca demonstrou entusiasmo com a iniciativa por temores em relação ao seu próprio setor agrícola, acabou liderando a reação. No ano passado, o presidente Emmanuel Macron colocou como condição para a implementação do acordo de livre-comércio um reforço da proteção ambiental no Brasil. Em junho, ele explicou que o pacto foi finalmente fechado porque Bolsonaro oferecera garantias de preservação do meio ambiente brasileiro.

No entanto, em julho-agosto do mesmo ano, diante do crescimento dramático do desmatamento e queimadas no Brasil, Macron disse que pretendia bloquear a ratificação do acordo por causa da política ambiental de Bolsonaro. Na ocasião, o francês também acusou o brasileiro de mentir sobre compromissos firmados na área ambiental para garantir o sucesso do acordo.

As acusações provocaram uma reação furiosa e grosseira de Bolsonaro. O brasileiro chegou a endossar uma postagem de um seguidor no Twitter com comentários ofensivos sobre a aparência da primeira-dama Brigitte Macron, sugerindo que o francês teria "inveja" de Bolsonaro. Antes disso, Bolsonaro também cancelou em cima da hora um encontro com o ministro francês Jean-Yves Le Drian, em Brasília, e transmitiu uma live no barbeiro no mesmo horário em que a reunião deveria ocorrer.

Após Macron reagir, outros países europeus seguiram o exemplo diante da falta de ações do governo brasileiro em conter o desmatamento. Três parlamentos na Europa (Áustria, Holanda e o da região da Valônia, na Bélgica) já anunciaram que não darão seu aval ao acordo. O governo da Irlanda também já se manifestou nesse sentido.

Até o mês passado, a Alemanha ainda constava entre os defensores europeus do acordo. No ano passado, a chanceler federal Angela Merkel chegou a defender publicamente o pacto contra as críticas do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão. 

Mas no fim de agosto, Merkel, em um claro recado ao Brasil, disse ter "sérias dúvidas” sobre a implementação do acordo. Sua ministra da Agricultura já se posicionou contra.

LPF/MD/efe/afp