Extremismo de direita ameaça democracia alemã, diz ministra
19 de junho de 2024A democracia alemã está sob pressão de uma extrema direita cada vez mais violenta, radicais islâmicos e atos de espionagem e interferência russa e chinesa, afirmou a ministra do Interior Nancy Faeser ao apresentar um relatório do Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV) nesta terça-feira (18/06).
Segundo Faeser, a situação geral de segurança no país "é e continua tensa", quadro que se agravou particularmente diante das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.
O número de crimes atribuídos a alguma ideologia extremista atingiu patamares recordes em 2023, saltando de 4 mil no ano anterior para mais de 39 mil.
Crimes ligados à ultradireita aumentaram 22,4% (25.660); considerando apenas as ocorrências violentas, o aumento foi de 13%, totalizando 1.148 atos. No caso de crimes cometidos por radicais de esquerda, o aumento geral foi de 10,4% (4.248) e o de crimes violentos, de 20,8% (727).
Crimes motivados por ideologia estrangeira tiveram um salto de 56,6% (3.092) no índice geral, e de 45,6% (329) para os crimes violentos. Já os motivados por ideologia religiosa aumentaram quase 200% (1.250), dos quais 72 eram crimes violentos, 67,4% a mais que em 2022.
"Temos que enfrentar ameaças domésticas que advêm do extremismo com a mesma determinação que as ameaças externas, principalmente as do regime russo", defendeu a ministra.
Hoje, o BfV só é autorizado a investigar indivíduos que incitem ao ódio ou partam para a violência, mas não as redes financeiras que dão sustentação a esses grupos.
Ameaças à direita
De acordo com os números do relatório, o extremismo de direita continua a ser a maior ameaça à Alemanha. Autoridades do serviço de inteligência estimam em 40,6 mil o número de indivíduos perigosos nessa categoria – cerca de 1,8 mil a mais que em 2022 –, dos quais 14,5 mil são considerados violentos.
Extremistas de direita têm instrumentalizado a seu favor crises como a deflagrada pelo ataque terrorista do Hamas contra Israel em 7 de outubro, fazendo desses eventos uma oportunidade para culpar a imigração por todos os problemas sociais da Alemanha e levar o tema ao topo da agenda do debate público.
Presidente do BfV, Thomas Haldenwang atribui o crescimento do que chamou de "nova direita" – termo que designa uma rede informal de nacionalistas e extremistas – ao uso de "mídias alternativas" e redes sociais que espalham propaganda racista e revisionista.
A categoria "extremismo de direita" não considera o partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) como um todo, e sim alas radicalizadas dentro da legenda, que ainda é oficialmente considerada um "caso suspeito". A classificação tem relevância porque, na Alemanha, é ela que determina se um partido ou organização poderá ser vigiado pelo BfV.
A AfD, porém, vem sendo apontada por especialistas como uma das faces visíveis da radicalização política na sociedade alemã. O partido tem se tornado cada vez mais popular, especialmente na antiga Alemanha comunista – na eleição ao Parlamento Europeu, foi promovido a segunda maior força, atrás somente dos conservadores da aliança entre a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU).
"Dentro da AfD também foi constatado no ano de 2023 conexões bem estabelecidas de diversos funcionários e políticos eleitos com atores e organizações bem estabelecidas da nova direita", consta do relatório. "Não se tratam de conexões ao acaso, mas sim de conexões estruturais dentro de uma rede que age estrategicamente."
A Alemanha também tem monitorado grupos golpistas, que reúnem cerca de 25 mil adeptos, dos quais cerca de 5% são considerados de extrema direita – algumas dessas lideranças estão sendo atualmente processadas sob a acusação de integrarem uma rede terrorista que tramava um golpe de Estado.
Ameaças à esquerda
No campo do extremismo de esquerda, o BfV expressa preocupação com "um potencial reconhecível, ainda não esgotado, para uma maior radicalização de indivíduos violentos, redes e formas de ação".
O serviço de inteligência calcula que o grupo reúna 37 mil extremistas, dos quais 11,2 mil são considerados violentos. Um dos apontados pelo BfV como suspeitos de extremismo é o grupo de ativistas do clima "Ende Gelände" (expressão que significa algo como "já basta"), que tem organizado ocupações e ações de sabotagem, principalmente contra a exploração de carvão.
Além de atos de violência, especialmente contra policiais, extremistas de esquerda também têm atacado cada vez mais infraestruturas críticas, como instalações de telecomunicações, dutos de combustível e equipamentos ferroviários, causando danos materiais milionários.
Islamismo
Também radicais islâmicos estão no radar das autoridades alemãs. Segundo Haldenwang, o risco de atentados extremistas islâmicos aumentou desde o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro. O perigo não viria só de terroristas jihadistas, mas principalmente de lobos solitários e pequenos grupos, mais difíceis de monitorar já que agiriam sem muito planejamento.
O número estimado de radicais islâmicos se manteve no mesmo patamar, de 27,2 mil pessoas.
Antissemitismo
Já o número de ataques antissemitas aumentou desde o início do conflito Israel-Hamas, que tem levado às ruas da Alemanha islamistas, extremistas palestinos e radicais estrangeiros à direita e à esquerda, além de setores da própria esquerda alemã. Apesar das ideologias distintas, esses grupos, segundo o BfV, têm em comum o antissemitismo e ódio a Israel, incitando atentados contra pessoas e instituições judias. Ainda de acordo com Haldenwang, a mesma tendência não foi observada em relação a crimes islamofóbicos.
O relatório afirma que tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda e grupos islamistas têm explorado as tensões no Oriente Médio para atiçar o antissemitismo.
Só em outubro de 2023 o BfV contabilizou 1.342 crimes de motivação antissemita, principalmente danos patrimoniais, sendo 596 associados a ideologias estrangeiras, 406 vindos da extrema direita, 266 de motivação religiosa e 18 da extrema esquerda, além de 55 casos que não se encaixavam em nenhuma dessas definições.
Rússia, China e Irã
Falando à imprensa, a ministra Faeser disse que países como Rússia, China e Irã "usam cada vez mais seus serviços de inteligência para espionar dentro da e contra a Alemanha". Além disso, esses países também estariam tentando influenciar eventos no país e espionar opositores vivendo em solo alemão.
ra (Reuters, dpa, AFP, ots)