Erdogan ignora pressão das ruas e não dá mostras de que vai ceder
4 de junho de 2013Há dias, a Turquia vem experimentando uma onda de manifestações sem precedentes em sua história recente, dirigidas contra o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Sem precendentes também é a brutalidade das ações da polícia contra a multidão de manifestantes em Istambul, na capital Ancara, em Izmir e em outros centros urbanos na Anatólia.
Apesar da situação tensa, Erdogan iniciou na segunda-feira (03/06), como planejado, uma viagem por Marrocos, Tunísia e Argélia. Pelo menos duas pessoas morreram até agora durante as revoltas; mais de 2 mil ficaram feridas e outras 2 mil foram presas em mais de 60 cidades.
As manifestações têm participantes de todas as camadas sociais. Elas surgiram com a revolta com os excessos da polícia na repressão a protestos de ambientalistas contra a demolição de um parque próximo à praça Taksim, no centro de Istambul.
A intransigência de Erdogan e sua opinião de que as manifestações são orquestradas por "grupos marginais" já levou a comparações com os déspotas derrubados pela Primavera Árabe – para muitos exagerada.
"Erdogan foi, diferentemente, dos líderes árabes derrubados, um chefe de governo eleito democraticamente", ressalta Günter Seufert, especialista em Turquia do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança.
Segundo Seufert, a Turquia não é um regime totalitário e possui uma série de mecanismos democráticos que funcionam.
Para o analista político Cengiz Candar, Erdogan apresenta uma certa "fadiga de governo", após mais de dez anos no poder. "Ele tenta abafar essa sua fadiga de governo com vaidade e orgulho e, se necessário, com a crueldade do gás lacrimogêneo e dos canhões de água."
Oposição pouco coesa
Não é de se esperar que Erdogan peça desculpas ao povo turco por seu comportamento, como reivindicou na segunda-feira o líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, após uma reunião com o presidente Abdullah Gül. Seufert acredita que o governo Erdogan, conservador e religioso, deve considerar as manifestações como um "sinal".
"Suas chances de conseguir novamente uma maioria absoluta nas eleições do ano que vem certamente são reduzidas", alerta.
Não é possível afirmar que existe coesão entre os oponentes de Erdogan, embora uma frente de oposição tenha sido formada com participação dos integrantes da principal agremiação de centro-esquerda do país – o social-democrático Partido Republicano do Povo (CHP, na sigla turca); os chamados "kemalistas", cujos principais temas são relacionados ao fundador da república, Mustafa Kemal Atatürk; nacionalistas; curdos; alevitas, aceitos no país como uma minoria religiosa pela supremacia sunita, além de grupos religiosos menores, como "muçulmanos anticapitalistas".
Mas ninguém ainda sabe o que pode acontecer quando o objetivo comum de derrubar Erdogan for alcançado. A intransigência do premiê turco também é observada na realização do que ele mesmo chama de "projetos loucos", incluindo um terceiro aeroporto de Istambul, um canal para aliviar o Estreito de Bósforo e a construção de mesquitas gigantes em localizações centrais e colinas.
A ideia mais controversa, entretanto, é a construção em curso da terceira ponte sobre o Bósforo. A obra deve receber o nome do sultão otomano Yavuz Selim, cujo reinado está associado à perseguição e ao massacre de alevitas. Nesta disputa, ele também se nega a negociar uma outra solução. "Não vamos deixar o nome de um projeto importante ser ditado por um punhado de saqueadores", afirmou.
A Síria, mergulhada numa guerra civil em que a oposição é apoiada por Erdogan, aproveitou para alfinetar a vizinha Turquia. O Ministério do Exterior sírio aconselhou seus cidadãos a não viajarem para o país. Um comunicado lido na TV alertou que a situação de segurança nas cidades turcas se deteriorou significativamente, "devido aos atos de violência do governo de Erdogan contra manifestantes pacíficos". Desde o início da guerra, 380 mil pessoas já fugiram da Síria para a Turquia, de acordo com as Nações Unidas.