CPI conclui trabalhos e pede o indiciamento de Bolsonaro
27 de outubro de 2021A CPI da Pandemia encerrou nesta terça-feira (26/10) seus trabalhos, seis meses e 69 sessões após ter sido criada. Os senadores da comissão aprovaram, por sete votos a quatro, o relatório final que detalha como a atuação do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia, em interação com alguns militares, empresários e médicos, contribuiu para o descontrole sanitário e o alto número de óbitos pela doença no Brasil, que tem a sétima maior taxa de mortalidade pela covid-19 no mundo.
Votaram a favor do relatório: Eduardo Braga (MDB-AM), Humberto Costa (PT-PE), Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Votaram contra: Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO).
Quando a CPI foi instalada, em 27 de abril, o país somava 395 mil mortos pela doença. Somente naquele dia, três mil pessoas perderam a vida para a covid-19. A vacinação ainda engatinhava, com 14% da população imunizada com ao menos uma dose. Nesses seis meses de pressão constante da CPI sobre o governo, outras 210 mil pessoas morreram, mas a taxa de vacinação subiu – a primeira dose chegou a 74% da população – e o número de novas mortes caiu, com cerca de 300 óbitos por dia atualmente.
A comissão teve o papel de registrar, de forma sistematizada, como o governo Bolsonaro reagiu à pandemia, reunindo indícios que já haviam sido divulgados pela imprensa e aprofundando investigações com a quebra de sigilos e a coleta de provas e depoimentos. Os trabalhos foram estruturados em diversos eixos, como demora na compra de vacinas, negacionismo do presidente e assessores, promoção de remédios sem eficácia e negociações suspeitas para a aquisição de imunizantes. As sessões receberam ampla cobertura da mídia e repercussão em redes sociais, e cumpriram uma função tradicional de CPIs: desgastar o governo no poder.
Agora, caberá a outros órgãos decidirem se levam adiante a investigação e a responsabilização do presidente e dos outros 79 alvos apontados no relatório final. No caso de Bolsonaro, investigá-lo e denunciá-lo pelos sete crimes comuns mencionados no texto dependeria do procurador-geral da República, Augusto Aras. Já as acusações de crime de responsabilidade poderiam levar a um pedido de impeachment, que depende do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para ser deflagrado. Ambos os desfechos são remotos.
Mais pedidos de indiciamento
O relatório aprovado nesta terça tem mudanças em relação à versão inicial apresentada na última quarta-feira pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL). A principal é o aumento do número de pessoas contra as quais a CPI sugere o indiciamento, que subiu para 78, além de duas empresas.
Após falta de consenso e pedido dos senadores, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) solicitou que se tirasse do relatório o pedido de indiciamento do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). Mais cedo, o próprio Vieira havia proposto a inclusão do nome de Heinze, sob a acusação de disseminar fake news, após o político ler um resumo de seu relatório paralelo e defender o chamado "kit covid" e a cloroquina. O relator Renan Calheiros, que aceitara a sugestão de inclusão de Heinze, voltou atrás e retirou o pedido de indiciamento do senador gaúcho.
As seguintes pessoas foram incluídas no relatório com pedidos de abertura de inquérito:
Wilson Lima: governador do Amazonas, devido à crise de falta de oxigênio que teria provocado a morte de dezenas de pacientes com covid-19 em Manaus e por ter apoiado a distribuição do "kit covid". Ele já é investigado em inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.
Marcellus Campêlo: ex-secretário estadual de Saúde do Amazonas, também pelo gerenciamento da pandemia em Manaus.
Helio Angotti Neto: secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, que promoveu o "kit covid" e manifestou descrédito sobre o uso de máscaras para combater a pandemia.
Alex Lial Marinho: tenente-coronel e ex-coordenador de logística do Ministério da Saúde, que teria pressionado servidores para autorizarem a importação da vacina indiana Covaxin.
Marcelo Bento Pires: coronel da reserva e ex-diretor do Ministério da Saúde que teria feito pressão para a compra da Covaxin pelo governo federal.
Thiago Fernandes da Costa: servidor do Ministério da Saúde que atuou na elaboração do contrato para a compra da Covaxin.
Regina Célia de Oliveira: servidora e fiscal do contrato para a compra da vacina Covaxin.
Hélcio Bruno: tenente-coronel da reserva, presidente da ONG Instituto Força Brasil e apontado como responsável pela aproximação entre a Davati e o Ministério da Saúde para a compra da Covaxin.
Amilton Gomes de Paula: reverendo que intermediou a venda de vacina Covaxin ao Ministério da Saúde.
Heitor Freire de Abreu: tenente-coronel da reserva e ex-subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil que coordenava o Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da covid-19 do governo federal. Ele é hoje assessor especial do ministro da Defesa, Walter Braga Netto.
José Alves: empresário e dono da Vitamedic, fabricante de ivermectina e que financiou publicidade para defender o "kit covid".
Antonio Jordão: presidente da Associação Médicos pela Vida, que participou de campanha publicitária defendendo o uso do chamado "kit covid".
Três senadores governistas apresentaram nesta terça propostas alternativas de relatório, com críticas ao texto elaborado por Renan e defesa da gestão Bolsonaro. Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE) bateram na tecla de que a CPI teria se omitido sobre a responsabilidade de prefeitos e governadores, enquanto Heinze defendeu o uso do "kit covid".
Pedido de banimento de Bolsonaro de redes sociais
Além de ampliar o número de alvos do relatório, a última sessão da CPI da Pandemia também aprovou novos requerimentos que miram Bolsonaro, após o presidente ter associado falsamente as vacinas contra covid-19 ao risco de desenvolver aids, durante uma live transmitida em redes sociais na quinta-feira passada, posteriormente excluída pelo Facebook, pelo Instagram e pelo YouTube.
Antes da sessão, Renan comentou a live de Bolsonaro e chamou o presidente de "serial killer que tem compulsão de morte e continua a repetir tudo que já fez anteriormente".
Um dos requerimentos determina que a CPI apresente ao ministro Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e relator do inquérito sobre fake news, uma medida cautelar pedindo que Bolsonaro seja proibido de se manifestar em redes sociais – como ocorreu com o ex-presidente americano Donald Trump, por iniciativa das plataformas – e seja obrigado a se retratar sobre a associação de vacinas e aids, sob pena de R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento.
A comissão também aprovou a quebra do sigilo telemático de Bolsonaro sobre seu uso de redes sociais do Google, Facebook e Twitter de abril de 2020 até o momento, e solicitou que os dados sejam enviados ao Supremo e à Procuradoria-Geral da República. Isso inclui dados como os IPs, cópias do conteúdo armazenado e informações sobre quem administra as publicações. Essa decisão, porém, deve ser contestada na Justiça pelo governo.
Por fim, a CPI aprovou o envio de uma proposta legislativa para regulamentar o crime de genocídio na legislação brasileira e a cooperação do país com o Tribunal Penal Internacional, de Haia. O projeto será analisado inicialmente pelo Senado. Inicialmente, Renan tinha a intenção de pedir o indiciamento de Bolsonaro por genocídio de indígenas, mas voltou atrás após outros senadores discordarem.
Próximos passos
Senadores da CPI pretendem entregar pessoalmente ainda nesta semana cópias do relatório ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a Aras.
O vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que os senadores da comissão irão acompanhar a reação de Aras ao relatório. Se o procurador-geral da República não tomar a iniciativa de prosseguir com a investigação, senadores devem apresentar ao Supremo uma ação penal subsidiária da pública, que permite que partes interessadas solicitem a abertura de uma ação penal quando o Ministério Público teve a oportunidade de fazer isso, mas não o fez.