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À CPI, reverendo diz ter mediado oferta de vacina por doação

3 de agosto de 2021

Ex-filiado ao PSL, Amilton de Paula levou proposta suspeita da Davati ao Ministério da Saúde. Comissão também quebra sigilo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros.

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Amilton Gomes de Paula
Amilton de Paula não esclareceu como tinha acesso privilegiado a autoridades do Ministério da SaúdeFoto: Pedro França/Agência Senado

A CPI da Pandemia no Senado colheu nesta terça-feira (03/08) o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula, citado por representantes da Davati Medical Supply como alguém que os ajudou a negociar com o Ministério da Saúde uma oferta suspeita de venda de 400 milhões de doses da vacina produzida pela AstraZeneca – proposta contestada pela própria farmacêutica, que não usa intermediários para negociar com governos.

Amilton de Paula é fundador da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), uma organização não governamental. O policial militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti e Cristiano Carvalho, que atuavam como representantes da Davati, participaram de reuniões com membros do Ministério da Saúde intermediadas pelo reverendo.

A negociação suspeita ganhou os holofotes depois de Dominghetti ter acusado Roberto Ferreira Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde, de cobrar propina de 1 dólar por dose para que a pasta fechasse a compra – ele foi exonerado no mesmo dia em que a acusação veio à tona. Dias confirmou à CPI ter se reunido com Amilton de Paula para falar da proposta da Davati.

O reverendo chegou a receber do então diretor de imunização da pasta, Laurício Cruz, uma autorização formal, em documento registrado no sistema do Ministério da Saúde, para negociar em nome do governo brasileiro a compra das supostas doses de vacina com a Davati. Cruz foi exonerado em 8 de julho do cargo.

Ex-filiado ao PSL

Aos senadores, o reverendo disse já ter sido filiado ao PSL e que participou da campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018, mas que depois se desfiliou do partido. Ele negou ter relações próximas com políticos, apesar de a CPI ter apresentado fotos dele com o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, e com Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Segundo reportagem da Agência Pública, Amilton de Paula inaugurou em outubro de 2019 em Brasília um escritório da sua entidade, que ele batizou como "Embaixada Humanitária pela Paz", com a presença do deputado distrital Iolando Almeida (PSL), do secretário de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, Gilvan Máximo, do administrador regional de Águas Claras, Ney Robson, e do embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley.

Durante o depoimento à CPI, Amilton de Paula respondeu de forma esquiva sempre que questionado sobre como tinha acesso facilitado a autoridades do Ministério da Saúde. Em um episódio sublinhado pelos senadores, ele conseguiu ser recebido para uma reunião na pasta na tarde do dia 22 de fevereiro apenas quatro horas depois de ter enviado um e-mail pedindo o encontro.

Uma mensagem de Dominghetti enviada a um interlocutor, revelada pela revista Veja, mencionava que o reverendo teria falado com Bolsonaro sobre a compra de vacinas. Em outra conversa entre Amilton de Paula e Dominghetti, o reverendo afirmou que "falei com quem manda". Indagado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) a quem se referia, ele disse que se tratava de uma "bravata".

Relação com a Davati

O reverendo disse ter se reunido com Dominghetti pela primeira vez em 16 de fevereiro, e que decidiu intermediar o contato da Davati com o governo em troca de "doações" para a sua entidade, a Senah, sem especificar o valor da doação.

Ele afirmou ter participado de três reuniões no Ministério da Saúde sobre o tema: além da do dia 22 fevereiro, também nos dias 2 e 12 de março, esta última acompanhado de Dominguetti e Carvalho, da Davati, com o então secretário executivo do Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco, número dois da gestão de Eduardo Pazuello.

Segundo a TV Globo, a Senah informou à Davati o nome de duas empresas nos Estados Unidos onde poderia ser feito o pagamento de comissão caso a compra das doses fosse finalizada, ambas associadas ao reverendo. Uma delas também tem como diretor Daniel Fernandes Rojo Filho, que em 2015 foi preso nos EUA por fraude.

Usado de maneira "ardilosa"

Amilton de Paula disse que não estava negociando a venda do imunizante, mas apenas apresentando ao governo pessoas que teriam doses para serem vendidas, por "razões humanitárias". "Na verdade, eu não estava negociando vacinas. Eu estava ali indicando alguém que teria essas vacinas", afirmou.

No encontro de 12 de março, segundo o reverendo, Franco teria dito que precisava de um documento da AstraZeneca comprovando que a Davati teria as doses oferecidas, pois sabia que a farmacêutica não tinha grandes estoques disponíveis.

Amilton de Paula afirmou ter cogitado deixar de participar das tratativas diante da falta de documentos, mas que depois foi convencido pela Davati de que as doses estavam disponíveis para pronta entrega. Ele disse que hoje entende que foi usado de maneira "ardilosa" nessas negociações, "para fins espúrios e que desconhecemos".

Mais tarde, ele chorou e pediu desculpas por seus erros. "Eu tenho culpa. Hoje de madrugada antes de vir para cá eu dobrei os meus joelhos, orei. (...) Peço desculpas ao Brasil, porque o que eu cometi não agradou primeiramente aos olhos de Deus. Esse erro que eu cometi foi um erro que, se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria atrás", disse.

CPI quebra sigilo de Ricardo Barros

Na mesma sessão, os senadores aprovaram a quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário e telemático do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), investigado sobre a negociação da compra da vacina indiana Covaxin, outro foco da CPI.

A CPI também aprovou a quebra dos sigilos da VTCLog, que tem contratos milionários com o Ministério da Saúde para cuidar da logística de distribuição de vacinas, medicamentos e insumos da pasta, e a convocação da presidente da empresa, Andrea Siqueira Vale. Os senadores querem apurar se há corrupção ligada aos contratos do governo com a companhia.

bl/ek (ots)