Covid deixou mais de 40 mil crianças órfãs de mãe no Brasil
27 de dezembro de 2022A covid-19 deixou ao menos 40.830 crianças e adolescentes órfãos de mãe no Brasil nos dois primeiros anos da pandemia, segundo um estudo divulgado nesta segunda-feira (26/12) pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), realizado em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Publicado no periódico Archives of Public Health, o estudo revelou ainda que a covid-19 foi responsável "por um terço de todas as mortes relacionadas a complicações durante o parto" entre mulheres jovens – o que representa um aumento de 37% nas taxas de mortalidade materna no Brasil em relação a 2019.
"A cada mil bebês nascidos vivos, uma mãe morreu no Brasil nos dois primeiros anos da pandemia", destacou o coordenador do Observa Infância, Cristiano Boccolini, um dos autores da pesquisa.
Para o estudo, os pesquisadores cruzaram dados das mortes por covid-19 registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) em 2020 e 2021 com os do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) entre 2003 e 2020.
"Considerando a crise sanitária e econômica instalada no país, com a volta da fome, o aumento da insegurança alimentar,o crescimento do desemprego, a intensificação da precarização do trabalho e a crescente fila para o ingresso nos programas sociais, é urgente a mobilização da sociedade para proteção da infância, com atenção prioritária a este grupo de 40.830 crianças e adolescentes que perderam suas mães em decorrência da covid-19", avaliou Boccolini.
O pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz ressaltou ainda a urgência de políticas públicas intersetoriais para proteger esses órfãos da pandemia.
"É certo que a morte de um dos pais, em particular da mãe, está ligada a desfechos adversos ao longo da vida e tem graves consequências para o bem-estar da família, afetando profundamente a estrutura e a dinâmica familiar. As crianças órfãs são mais vulneráveis a problemas emocionais e comportamentais, o que exige programas de intervenção para atenuar as consequências psicológicas da orfandade", acrescentou Celia Landmann Szwarcwald, pesquisadora da Fiocruz.
Covid responsável por quase 20% das mortes neste período
O estudo mostrou também que, em 2020 e 2021, a covid-19 foi responsável por quase um quinto de todas as mortes registadas no Brasil (19%). O pico da pandemia ocorreu em março de 2021, com uma média de cerca de 4 mil óbitos diários. Esse número supera a média de mortes por dia por todas as causas registrada em 2019.
"A faixa etária de 40 a 59 anos foi a que apresentou a maior proporção de vítimas da covid-19, em comparação com a mortalidade por outras causas. Neste grupo, um a cada quatro brasileiros que morreram em 2020 e 2021 tiveram o óbito relacionado à covid", afirmou Boccolini.
O estudo apontou ainda que a taxa de mortalidade por covid entre homens a partir dos 30 anos foi 31% maior do que entre mulheres da mesma faixa etária. Os pesquisadores também descobriram que a mortalidade pela doença foi três vezes mais elevada entre adultos analfabetos do que entre aqueles que concluíram o ensino superior.
Para Szwarcwald, as diferenças nas taxas de mortalidade por nível educacional refletem o impacto desigual da pandemia sobre as famílias brasileiras socialmente desfavorecidas.
Demora de ação pública agravou pandemia
Os pesquisadores concluíram ainda que a demora na adoção das medidas de saúde pública necessárias para o controle da covid no país agravou a disseminação da doença, resultando em perdas de vidas humanas que poderiam ter sido evitadas.
Desde o início da pandemia, o Brasil registrou mais de 36 milhões de casos de covid e mais de 692 mil mortes ligadas à doença, segundo dados oficiais. O Brasil é o quarto país do mundo em número de mortes por 100 mil habitantes, ficando atrás apenas da Grécia, Estados Unidos e Chile.
"Como consequência da gestão inadequada da pandemia, além de criar uma legião de órfãos, o Brasil perdeu cerca de 19 anos de vida produtiva devido à morte de adultos jovens por covid-19", acrescentou Boccolini.
O estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação Bill e Melinda Gates e pela Fiocruz.
cn/lf (Lusa, Efe, ots)