300 anos de um Bach negligenciado
8 de março de 2014Quando, na segunda metade do século 18, se ouvia um músico europeu falar ou escrever sobre o "Grande Bach", ele normalmente não estava se referindo ao célebre Johann Sebastian, morto em 1750, e sim a seu segundo filho, Carl Philipp Emanuel Bach.
Entre os vários irmãos que se tornaram músicos profissionais, ele era considerado um vanguardista, um revolucionário, arauto de uma nova época musical, de Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) e Empfindsamkeit (Sentimentalismo) pré-românticos.
"Toda a alma dele está ali, em atividade. Alma, expressão, emoção: Bach foi o primeiro a dá-las ao piano." Assim o crítico e autor de obras sobre música Johann Friedrich Reichardt (1752-1814) descrevia a arte pianística de Carl Philipp Emanuel.
Ele permaneceria um ídolo até mesmo para a geração seguinte de músicos, do Classicismo vienense. Assim, Wolfgang Amadeus Mozart teria dito: "Ele é o pai, nós somos os garotos." E Ludwig van Beethoven, numa carta de 1809 a seu editor: "Das obras para piano de Emanuel Bach, eu só tenho algumas coisas, e no entanto elas servem a qualquer artista verdadeiro, não só para excelso prazer, mas também para estudo."
"Cuidado: isso é azul-de Berlim!"
Carl Philipp Emanuel Bach nasceu na cidade de Weimar em 8 de março de 1714. Seu padrinho foi um amigo famoso de seu pai, o também compositor Georg Philipp Telemann. Seguindo a praxe familiar, foi o próprio Johann Sebastian a assumir a educação musical do menino.
Como escreveria anos mais tarde em sua autobiografia, deste modo C.P.E. teve a "sorte extraordinária de escutar o mais sublime em todos os tipos de música, e de travar conhecimento com mestres de primeira linha e em parte obter a sua amizade".
Em 1738, recebeu de Berlim uma tentadora oferta de emprego: o príncipe herdeiro Frederico (futuro rei Frederico 2º da Prússia, apelidado "o Grande") queria contratar "o Bach" como cravista da orquestra de sua corte.
O pai ainda o advertiu sobre a superficialidade da música da corte prussiana: "Isso é azul-de-Berlim, desbota!". Mas o jovem músico queria trilhar seus próprios caminhos, e mudou-se para a metrópole – onde acabou permanecendo 30 anos.
Acompanhador do rei
Em Berlim, ele entrou em contato com os mais modernos estilos musicais da época. Porém o trabalho o entediava cada vez mais, já que sua principal função era acompanhar Frederico, que tocava flauta transversa.
As ousadas e emocionantes peças para teclado, já então responsáveis pela notoriedade de Carl Philipp Emanuel em toda a Alemanha, não interessavam nem um pouco ao soberano, para cujos ouvidos se tratava de "quinquilharias da nova moda".
No entanto, logo essas "quinquilharias" encontraram interessados nos círculos musicais e filosóficos burgueses. Um aspecto de possível importância para o compositor: era praticamente impensável um afastamento mais radical em relação ao estilo erudito de seu pai, o "velho" Johann Sebastian Bach.
Liberdade em Hamburgo
Por diversas vezes, Carl Philipp Emanuel pediu para ser exonerado do serviço prussiano. Em vão, pois Frederico, o Grande não admitia abrir mão de seu "homem do teclado". Somente em 1768 deixaria o músico partir, quando o conselho municipal de Hamburgo ofereceu a Bach o prestigioso cargo de diretor musical das cinco grandes igrejas da cidade.
C.P.E. Bach sucedia no posto a Telemann, morto um ano antes. Uma de suas funções era compor música litúrgica e de festa para as ocasiões solenes, e nessa época ele produz diversos oratórios e sinfonias. Finalmente sentia-se um artista livre: organizava seus próprios concertos e, como fizera antes seu padrinho, tornou-se homem de negócios autônomo, publicando suas obras através de uma editora própria.
Por ocasião do lançamento da primeira coleção de Clavier-Stücke für Kenner und Liebhaber (Peças de teclado para conhecedores e diletantes), a crítica no jornal Hamburger Correspondent foi entusiástica.
"Seu poder de invenção parece ser ilimitado. Cada uma de suas sonatas é um original inédito. E quando se escuta o próprio Bach tocar essas obras-primas! Ah, então a pessoa fica sem saber se admira mais o intérprete ou o compositor."
O peregrino musical inglês Charles Burney expressou opinião semelhante ao visitar Carl Philipp em Hamburgo, em 1772. "O Sr. Bach foi benevolente ao ponto de se sentar a seu instrumento favorito, um piano Silbermann, no qual tocou três ou quatro de suas melhores e mais difíceis composições, com a delicadeza, a precisão e o ardor pelo qual é tão justamente célebre entre seus compatriotas."
Música para tocar o coração
Carl Philipp Emanuel Bach atuou durante 20 anos em Hamburgo, tornando-se um dos expoentes da nova "Empfindsamkeit" musical. Esse estilo "sentimentalista", marcado pelo espírito do Iluminismo, se caracterizava pela excentricidade, por contrastes de espírito súbitos e arcos melódicos líricos. O próprio Bach descrevia assim a sua estética:
"Eu penso que a música deve predominantemente tocar o coração. Faz parte da verdadeira arte musical uma liberdade que exclui tudo o que é escravo e mecânico. Deve-se tocar a partir da alma, e não como um pássaro domesticado."
Seu Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen (Ensaio sobre a verdadeira arte de tocar o teclado) também traz importantes indicações sobre a concepção musical de C.P.E. Bach.
O tratado voltado aos executantes do cravo, clavicórdio, piano ou órgão foi best-seller ainda durante sua vida. E, na década de 1960, afirmou-se como uma das principais fontes de informações na redescoberta da assim chamada "Música Antiga" (ou seja, pré-clássica) e das práticas históricas de interpretação – ao lado das de Johann Mattheson, Johann Joachim Quantz e Leopold Mozart, entre outros.
Rede "C.P.E. Bach 1714"
Já em 1775, o poeta e também compositor Christian Friedrich Daniel Schubart reconhecia quão inovador ele era, como professor, compositor e intérprete: "Bach lidera os tecladistas, assim como [Friedrich Gottlieb] Klopstock, os poetas. Seu modo de compor e de tocar é inimitável: inesgotável nos movimentos melódicos, pleno de profundidade nas sequências harmônicas. Ele faz época, não só para o nosso tempo, mas para os futuros."
Treze anos mais tarde, Carl Philipp Emanuel Bach morria em Hamburgo, cercado de honrarias. No entanto, a partir da segunda metade do século 19, ficou relegado ao segundo escalão da história da música. Ele fora o perdido entre o Barroco e o Classicismo-Romantismo, esmagado entre a genialidade universal do pai J.S. Bach e a popularidade de Haydn, Mozart e Beethoven.
Considerado por uns "excêntrico e difícil" demais, por outros, "maçante", somente em décadas mais recentes as sensibilidades musicais reencontraram a chave que permite compreender e prezar a originalidade dessa obra, resgatando-a do esquecimento injusto: o que se poderia chamar de "código C.P.E.".
Para celebrar à altura o tricentenário de Carl Philipp Emanuel Bach, as estações de sua vida – Hamburgo, Berlim, Potsdam, Frankfurt no Oder, Leipzig e Weimar – se reuniram na rede transmunicipal "C.P.E. Bach 1714" (www.cpebach.de/2014). Cada uma das cidades oferece um programa abrangente, com concertos, palestras e exposições em torno da vida e obra do músico.