Aumento do custo de vida eleva a indignação dos brasileiros
25 de junho de 2013A atual conjuntura econômica do Brasil é um dos elementos-chave, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil, para explicar as manifestações que vêm tomando as ruas das cidades brasileiras há cerca de duas semanas.
Para os analistas, o aumento da inflação e, consequentemente, do custo de vida – maior do que da renda do trabalhador – reduz o poder de compra principalmente da população mais pobre e contribui para a indignação de grande parte dos brasileiros. Nos últimos 12 meses, o preço dos alimentos subiu 14% e o dos serviços, 8%, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
"Com certeza a população, principalmente a mais carente, sofreu muito com a inflação [desde 2010, ano em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 5,91%, superando a meta do governo, de 4,5%]. Nós tivemos uma alta nos alimentos que pesa no bolso. No geral, os preços no Brasil estão muito caros", afirmou Samy Dana, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O tomate, por exemplo, foi um dos vilões do aumento da inflação. O produto aumentou mais de 120% em 12 meses e chegou a custar mais de 10 reais por quilo no início deste ano.
"Nós temos uma das cargas tributárias mais altas do mundo [cerca de 38% do Produto Interno Bruto (PIB)], comparável com países nórdicos. Porém, não há contrapartida para a sociedade quanto à qualidade na educação, saúde e transporte público", afirmou Dana.
Menos consumo
A taxa de inflação verificada pelo Banco Central do Brasil nos últimos 12 meses é de 6,5%, acima da meta governamental de 4,5%. A alta dos preços corroeu os ganhos reais dos trabalhadores e promoveu a perda do poder aquisitivo dos brasileiros.
A diminuição do poder de consumo é verificada especialmente entre os 40 milhões de brasileiros que saíram da pobreza e ascenderam à chamada classe C nos últimos anos, dizem os especialistas ouvidos pela DW Brasil.
"Tínhamos notado esta situação em janeiro, quando o número de itens comprados pelas famílias nos supermercados havia se reduzido, quer dizer, o consumo já estava se retraindo nessa época", explicou Celso Grisi, professor de economia da Fundação Instituto de Administração (FIA).
"Além disso, houve o aumento da passagem do transporte público nas cidades, e isso acabou sendo o estopim para uma manifestação mais ampla, envolvendo muitos setores", acrescentou Grisi. "Isso só ocorreu porque a inflação acabou com o poder de compra dessa parcela da população", disse.
Antonio Carlos Alves dos Santos, professor de economia e comércio internacional da PUC-SP, explica que a economia brasileira está ainda totalmente indexada à inflação passada. O aumento de um aluguel, por exemplo, é calculado com base na taxa de inflação verificada nos 12 meses anteriores. "Isso é ruim, porque você traz a inflação do passado para os preços do presente. Assim, fica muito difícil você derrubar a inflação, e percebe-se no bolso o aumento de tudo", explicou.
Falsa sensação de bem-estar
A política de juros baixos, crédito fácil e abundante e parcelamentos de compras "a perder de vista", bancada pelo governo federal, proporcionou à população o acesso a bens de consumo e estimulou a economia.
Isso protegeu a economia brasileira da crise internacional de 2008/2009. Entre os setores que foram agraciados pelo governo federal com medidas de estímulo, como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), estão o automotivo e de construção civil.
Mas, ao mesmo tempo em que essas políticas mantiveram a economia aquecida em período de crise, proporcionaram também uma falsa sensação de bem-estar, causando grande endividamento da população.
"O governo fez um marketing muito agressivo, mostrando para o pobre que ele tinha condições de consumir em grande quantidade, o que não era verdade. Foi construída uma expectativa maior do que a realidade. E, assim, criou-se uma grande frustração, porque o indivíduo se imaginava mais rico, mas na verdade descobriu estar mais pobre", afirmou Grisi, da FIA.
"As pessoas compraram televisão nova e carro novo, mas querem mais, querem um hospital melhor. Então, o consumidor não aceita mais que os preços dos alimentos e do aluguel aumentem", explicou Alves dos Santos, da PUC-SP.
De acordo com pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), 64,3% das famílias brasileiras tinham dívidas em maio deste ano – taxa maior que os 62,9% observados em abril e os 55,9% que declararam ter dívidas em maio de 2012.
"A política de incentivo ao consumo foi importante em 2008, porque focou o mercado interno durante a crise mundial. Mas a continuação dessas políticas promoveu o 'estrangulamento' das famílias e um crescimento duvidoso. Agora, a população está muito endividada", criticou Dana, da FGV.
Ele afirmou, ainda, que a situação política é muito complicada e que não é fácil colocar em prática as mudanças que os manifestantes exigem nas ruas, "porque muitas questões podem ser resolvidas do dia para a noite, como a votação de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição], outras não", como a mudança de curso da política econômica do país.
Fraco crescimento econômico dificulta investimentos públicos
Além da inflação e do endividamento da população, outro problema é o tímido crescimento econômico brasileiro – de 0,9% em 2012, o pior desempenho desde 2009. O PIB do país cresceu 0,6% no primeiro trimestre deste ano e especialistas preveem recuperação lenta em 2013.
Antes da reunião desta segunda-feira (24/06) com a presidente Dilma Rousseff para discutir medidas de contenção dos protestos, o vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, criticou o baixo crescimento da economia, por diminuir o poder de ação dos estados da federação.
"A situação dos estados é muito dura. Há pouca margem de manobra, porque a economia não está crescendo muito, e a arrecadação de impostos diminui. Tivemos menos ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], por exemplo. Dinheiro em caixa seria importante para responder aos anseios da população. É um momento difícil para todos”, frisou Pezão, de acordo com o site do jornal O Globo.
Em relação à baixa arrecadação de impostos e a melhoria dos serviços públicos – esta última, uma das principais reivindicações dos manifestantes –, Alves dos Santos explicou que a maioria dos gastos públicos não pode ser cortada, porque se trata de despesas sociais, tais como Previdência e pagamento de salários dos funcionários públicos.
"Dessa forma, o percentual que sobra para fazer investimentos [por exemplo em educação, saúde e transporte público de qualidade] é muito pequeno", afirmou Santos.