Ataque em Berlim reacende debate sobre antissemitismo
20 de abril de 2018Um porta-voz da polícia de Berlim afirmou que o homem visto em um vídeo atacando dois jovens que usavam quipá – chapéu característico do judaísmo – se apresentou às autoridades no início da tarde desta quinta-feira (19/04). O homem foi identificado como tendo 19 anos e sendo originário da Síria, mas a polícia não deu detalhes sobre quando ele chegou à Alemanha ou sobre onde reside.
As imagens do ataque, filmadas com um celular, chocaram pessoas em todo o mundo após serem divulgadas na manhã de quarta-feira. Jornalistas se apressaram em publicar reportagens com informações erradas, a respeito de dois "judeus" sendo atacados por usarem quipá nas ruas de Berlim.
A DW entrevistou as duas vítimas, apurando que nenhum deles é judeu. Um deles, Adam, é cidadão israelense de família árabe residente em Israel e estuda medicina veterinária na Alemanha. O outro, Salah, é cidadão alemão de raízes marroquinas, que se descreve como ateu.
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Ambos receberam os quipás como presente. Na noite de terça-feira, eles foram visitar um amigo israelense em Berlim usando o quipá, para experimentar como era usar um símbolo judeu em público, mas dizem que a ideia não era provocar o antissemitismo. Eles estavam fazendo selfies quando foram atacados verbalmente pelo homem que, então, tentou chicotear Adam com um cinto. Eles pediram ao atacante, em árabe e alemão, para parar, e Adam filmou o incidente. Duas mulheres intervieram.
Adam afirma que disse a jornalistas após o ataque que ele não é judeu, mas que a maioria dos repórteres simplesmente deve ter suposto que ele é judeu por causa da touca.
A polícia não divulgou informações na quinta-feira sobre as possíveis motivações do suspeito. No vídeo, é possível ouvi-lo gritando a palavra árabe para "judeu".
"Dois a três incidentes por dia"
Embora ainda sejam desconhecidos alguns detalhes do incidente, ocorrido em Prenzlauer Berg, um bairro nobre da cidade, não há como negar que o antissemitismo é um problema crescente na capital alemã.
Em meio ao alvoroço criado pelo vídeo na quarta-feira, a Central de Pesquisa e Informação sobre Antissemitismo (Rias) divulgou estatísticas sobre o número de incidentes antissemitas em Berlim em 2017. A entidade afirma ter contabilizado 947 casos de antissemitismo na cidade no ano passado – aumento de 60% em relação a 2016.
"Este é o maior número desde que começamos a coletar dados", ressalta, em nota, o diretor da Rias Benjamin Steinitz. "As pessoas em Berlim são confrontadas diariamente com antissemitismo. Em média, registramos cerca de dois a três incidentes por dia."
A RIAS observou com preocupação que o número de incidentes antissemitas em estabelecimentos de educação mais do que dobrou, de 14 a 30, entre 2016 e 2017. As estatísticas são usadas como base para reclamações de grupos judaicos em Berlim sobre o crescente antissemitismo na capital alemã, depois de uma série de casos nas escolas da cidade.
Antissemitismo importado?
O partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) não demorou para atribuir a culpa pelo ataque registrado em vídeo ao fluxo de refugiados e outros migrantes para a Alemanha desde 2015. Jörg Meuthen, presidente da AfD, por exemplo, tuitou que a Alemanha se tornou "o maior importador do mundo do antissemitismo muçulmano".
A Rias adverte que o antissemitismo pode ser observado em toda a sociedade alemã, tanto na extrema direita e na extrema esquerda como no mainstream político. O grupo adverte contra conclusões e equações simplistas.
"Vemos que incidentes protagonizados por pessoas de origem árabe atraem atenção especial e estão frequentemente relacionados à simplificação do problema como um suposto antissemitismo importado", acrescenta Steinitz, em entrevista à DW. "Mas sempre houve antissemitismo aqui. O problema não começou em 2015."
Dos 947 incidentes ocorridos em Berlim em 2017, apenas 18 envolveram violência física, mas a Rias diz que um potencial para a violência é inerente ao antissemitismo.
"Um ataque é a expressão da violência da ideologia antissemita", explica Steinitz. "Há muitas situações em que as pessoas são abusadas verbalmente ou ameaçadas de violência, e esse potencial de violência tem sido repetidamente percebido, como foi o caso do incidente em Prenzlauer Berg."
Reação de políticos
Até 90% dos incidentes antissemitas na Alemanha são classificados como de fundo extremista de direita. O recém-nomeado encarregado de combate ao antissemitismo da Alemanha, Felix Klein, diz que dados melhores são necessários.
"Um tópico urgente são as estatísticas criminais, segundo as quais 90% dos crimes antissemitas são cometidos por extremistas de extrema direita", sublinhou Klein, em entrevista ao jornal Die Welt. "Mas eu ouço algo diferente dos judeus na Alemanha. Sobretudo o antissemitismo muçulmano é maior do que refletem as estatísticas. Mas até agora só temos esses números."
Muçulmanos proeminentes e líderes da comunidade muçulmana repudiaram o antissemitismo mostrado no vídeo. "Estou abalada em meu âmago e chocada e envergonhada com esse homem que fala minha língua", escreveu no Twitter a secretária estadual de Berlim Sawsan Chebli, que vem de uma família palestina.
O vídeo reverberou até o mais alto nível da política alemã. Em comentários relacionados aos 70 anos da fundação do Estado de Israel, na quinta-feira, a chanceler alemã, Angela Merkel, reiterou o compromisso da Alemanha de fazer o possível para combater o antissemitismo.
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