Aos poucos, desmorona o mito de um governo neoliberal
4 de março de 2021O mercado de capitais do Brasil atravessa semanas turbulentas. Em meados de fevereiro, a Petrobras perdeu mais de 20% de seu valor de mercado de um dia para o outro. Dias depois, o valor da Eletrobras, também semiestatal, chegou a ficar 30% maior.
A turbulência foi desencadeada pelo presidente Jair Bolsonaro: em 19 de fevereiro, ele anunciou que colocaria um general no comando da Petrobras, o que derrubou as ações da gigante petrolífera.
Quatro dias depois, ele apresentou ao Congresso o decreto de privatização da Eletrobras, uma medida há muito tempo esperada e que acabou alimentando o interesse de investidores de curto prazo.
A política econômica está mudando
Desde meados de fevereiro, a Bovespa, principal índice do mercado acionário do país, caiu 8%. Ao mesmo tempo, o real perdeu mais de 5% de seu valor em relação ao dólar e ao euro.
"Este é um sinal de que investidores estrangeiros retiraram capital do Brasil", explica o economista Federico Foders, do Instituto para a Economia Mundial (IfW) de Kiel, na Alemanha.
Mesmo assinando, no fim do mês, uma lei com o objetivo de fortalecer a independência do Banco Central, Bolsonaro não conseguiu evitar a perda de confiança dos investidores
A clientela de Bolsonaro não é mais a mesma
Com uma política econômica inconsistente, Bolsonaro parece estar tentando agradar a seus antigos e novos apoiadores ao mesmo tempo.
Na campanha eleitoral, ele conseguiu o apoio das elites econômicas com um programa econômico liberal que incluía a privatização de empresas estatais.
Ele deu credibilidade ao plano ao nomear Paulo Guedes como ministro da Economia, um economista da Universidade de Chicago, berço do neoliberalismo. Isso contribuiu significativamente para sua vitória eleitoral.
Mas à medida que a crise do coronavírus se acirrou, Bolsonaro caminhou cada vez mais em direção ao intervencionismo econômico. Ele conseguiu elevar a taxa de aprovação ao governo e sua popularidade com medidas como o auxílio emergencial.
"De olho nas eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro não está mais buscando o apoio das elites ricas, mas dos pobres e dos conservadores fora das grandes cidades", diz o cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Estratégias contraditórias
Para ter as classes de renda baixa e média a seu lado, Bolsonaro tenta controlar a alta nos preços da energia elétrica e do combustível. Mas, paradoxalmente, ele está tomando medidas contraditórias para isso.
Primeiro, exigiu que a Petrobras baixasse os preços do petróleo para o Brasil. Quando o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, se recusou, citando preços mais altos no mercado internacional, Bolsonaro decidiu substituí-lo pelo ex-ministro da Defesa Joaquim Luna e Silva.
Ao mesmo tempo, a fim de baixar o preço da eletricidade, ele parece querer expor a maior empresa de eletricidade do país, a Eletrobras, à concorrência. Mas, não somente por causa desta contradição, comenta Stuenkel, há motivos para desconfiar dos planos de privatização de Bolsonaro.
"A probabilidade de que um projeto tão grande seja implementado em tempos eleitorais é próxima de zero – especialmente porque a privatização é vista com bastante ceticismo pela maioria dos brasileiros", diz o cientista político.
Corrupção endêmica
Na verdade, mesmo o próprio Bolsonaro não tem qualquer interesse em privatizar uma empresa estatal como a Eletrobras, diz Stuenkel: "Como militar, Bolsonaro é um intervencionista que quer controlar empresas estratégicas", completa.
Além disso, explica ele, as empresas estatais são vistas pelas elites políticas brasileiras como um bufê, onde cargos atraentes são servidos aos aliados ou o dinheiro é direcionado para seus bolsos. Por exemplo, o dinheiro do escândalo de corrupção multibilionário descoberto pela Lava Jato, que implicou centenas de políticos e empresários brasileiros, veio das receitas da Petrobras. E críticos também veem a Eletrobras mais como um aparelho de financiamento de partidos do que como uma empresa de eletricidade.
"Bolsonaro estaria entregando um instrumento de corrupção ao privatizar a Eletrobras", diz Stuenkel. "E isso não seria de seu interesse." Isso é ainda mais verdade, acrescenta, porque Bolsonaro depende para seus projetos da aprovação dos deputados do Centrão, um grupo de parlamentares do espectro de centro-direita que costumam trocar seu apoio político por cargos ou outros benefícios.
Guedes enfraquecido
O economista Foders vê outra possibilidade de forjar alianças com empresas estatais: "Vimos na vizinha Argentina como o presidente Menem confiou as empresas estatais a seus aliados políticos."
Os dois especialistas concordam que Bolsonaro dificilmente deve estar realmente preocupado com uma política econômica liberal. Bolsonaro, diz Stuenkel, não ouve Guedes há muito tempo, portanto a única questão no Brasil é realmente quando, e não se, Bolsonaro vai demiti-lo.
Nesse sentido, a privatização da Eletrobras e a lei de independência do Banco Central são vistas mais como táticas para desviar atenção: tanto do abandono de uma agenda neoliberal como da incapacidade do governo de conter a pandemia.