Amor e ódio entre 'Chicago Boys' e militares
13 de dezembro de 2018Há um mês e meio, Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. Desde então, o capitão da reserva passou a maior parte do seu tempo escolhendo seus futuros ministros.
De maneira simplificada, valeram dois critérios para nomear um futuro ministro. Ele deveria ser homem – há apenas duas mulheres no governo formado por 22 ministros. Além disso, ajuda se ele estudou economia na Universidade de Chicago – melhor ainda se tiver um doutorado da instituição.
Ou então ele é militar e conquistou seus méritos na missão de paz dos capacetes azuis da ONU no Haiti, que foi comandada por representantes das Forças Armadas do Brasil. Até agora, sete militares, incluindo quatro ex-generais, serão responsáveis por pastas como Ciência e Tecnologia, Infraestrutura e Minas e Energia a partir do dia 1º de janeiro – mas militares também terão a incumbência de negociar com o Congresso. Quase todos são senhores na chamada melhor idade, com mais de 65 anos.
O mesmo vale para os "Chicago Boys", que apelidaram a si mesmos de "Chicago Oldies" – e essa trupe de neoliberais maduros é liderada pelo futuro superministro Paulo Guedes. A Petrobras, o Banco Central, o BNDES e os bancos estatais ficarão todos sob o comando de economistas da escola de Milton Friedman.
Como esses dois grupos – de tamanho mais ou menos equivalente – vão se acertar dentro do governo?
Os economistas da Escola de Chicago querem abrir o isolado mercado brasileiro, realizar privatizações e reduzir a influência do Estado na economia. Do outro lado, com as privatizações com participação estrangeira, os militares temem a liquidação do patrimônio nacional. Quando estiveram no poder pela última vez, há 50 anos, iniciaram grandes projetos, como a Transamazônica, a represa de Itaipu ou o programa de usinas nucleares de Angra dos Reis, mas também a fabricante de aviões Embraer e as pesquisas para a produção de etanol como combustível de carros.
Nos círculos de pesquisadores, ouve-se que a pesquisa de base em áreas de interesse dos militares, como astronáutica, tecnologias nucleares próprias e informática de vigilância, poderá voltar a ser incentivada. Na imprensa de economia, lê-se que os militares estão se atualizando intensamente em temas como parcerias público-privadas, licitações e financiamentos.
Na área da infraestrutura, os dois grupos poderão até mesmo se entender logo. Tanto para os liberais como para os militares, as escolhas políticas para as agências de regulação são uma pedra no sapato. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), nas duas últimas décadas, das 140 posições nessas entidades, 40% foram preenchidas seguindo a filiação partidária dos ocupantes – e não por conhecimento técnico ou outro tipo de expertise.
Postos de direção nas agências regulatórias são moeda importante no toma-lá-da-cá entre o governo e o Congresso. É que os diretores dessas agências são burocratas poderosos, que podem frear qualquer projeto de bilhões com (a ausência de) suas assinaturas.
Possivelmente, é por isso que as diferenças de opinião dentro do governo não serão o maior dos problemas. As negociações com o Congresso é que poderão ser muito mais difíceis. O que generais e neoliberais querem oferecer a deputados e senadores para que estes aprovem suas reformas legislativas? Com "ordens do mérito" ou exemplares do clássico de Friedman, Capitalismo e Liberdade, é que os eleitos não deverão se deixar convencer tão cedo.
Ou será que sim? Por segurança, os militares já começaram a agradar ao chefe: na semana passada, entregaram a Medalha do Pacificador com Palma ao presidente eleito Jair Bolsonaro, por ato de bravura. A concessão foi justificada por Bolsonaro ter evitado o afogamento de um soldado há 40 anos. Durante a cerimônia fechada, Bolsonaro tagarelou livremente que ele mesmo entrou com pedido pela condecoração. A intenção seria eliminar qualquer rumor de que ele seja um racista. O então cadete pelo qual Bolsonaro arriscou a vida é um afrodescendente.
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