Que programa econômico, Bolsonaro?
29 de setembro de 2018Quando alguém pergunta a Jair Bolsonaro sobre os planos que ele pretende adotar na economia, caso seja eleito presidente, ele aconselha: "Pergunta no Posto Ipiranga". A referência é ao popular spot de publicidade recomendando sempre se dirigir à cadeia de postos de abastecimento em caso de perguntas ou dúvidas, pois, dizem, lá se encontra tudo.
O "Posto Ipiranga" do presidenciável é seu conselheiro econômico, o banqueiro e economista Paulo Guedes. O próprio ex-capitão de 63 anos não tem a menor ideia de assuntos econômicos, como ele próprio admite abertamente. Não que isso o tenha prejudicado: com 28%, está liderando as intenções de voto, embora quase não apareça mais pessoalmente na campanha eleitoral.
Bolsonaro ficou boa parte do mês de setembro hospitalizado, com ferimentos graves, após receber uma facada. Seus primeiros selfies no hospital foram tirados ao lado de Guedes. Com seus 69 anos, ele é um neoliberal convicto, com título de doutor da Universidade de Chicago. Além de banqueiro de investimentos, ele é também o bem-sucedido fundador de uma faculdade de economia e tornou-se multimilionário.
Na economia, é conhecido sobretudo pelas colunas e artigos de opinião que publica há anos. É considerado um "outsider", que não pertence a nenhuma escola dos economistas brasileiros – como os da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), que nos anos 1990 projetaram o Plano Real; ou os de Campinas, que, em especial no governo Dilma Rousseff, ditavam o tom.
Guedes é considerado alguém que sempre sabia mais do que todo mundo. Agora ele pretende, na qualidade de "superministro" da Economia, Planejamento, Fazenda e Privatizações, implementar tudo aquilo que criticou nos governos dos últimos 30 anos e suas respectivas políticas econômicas.
A maioria de suas ideias para um futuro governo Bolsonaro parece selecionada a dedo de uma cartilha neoliberal. Guedes quer privatizar a maioria das empresas estatais para pagar as dívidas do Estado; entregar a administração dos presídios a firmas privadas de segurança; tornar independente o Banco Central.
Ele considera introduzir uma aposentadoria básica, independente da renda; crianças e adolescentes pobres receberiam vales permitindo-lhes frequentar aulas nas escolas de sua escolha.
O atual seguro de previdência, o sistema de repartição simples, seria substituído por um regime de capitalização, no qual cada cidadão pouparia para a própria aposentadoria. O coordenador de programas econômicos pretende abrir a economia para as importações, e um Imposto de Valor Agregado (IVA) tomaria o lugar das várias taxas diferentes.
Em entrevistas, Paulo Guedes afirma que Bolsonaro representa a classe média esquecida, que teria saudades da ordem e dos valores tradicionais da família, mas está esmagada entre a casta corrupta dos ricos e os pobres sustentados pela ajuda social.
Não vou discutir aqui até que ponto essas propostas são razoáveis ou não, pois, acima de tudo, elas são irrealistas. São três os motivos.
Em primeiro lugar, no Brasil nunca houve simpatias, e muito menos maiorias para conceitos econômicos liberais.
Em segundo, nos seus seis mandatos como deputado, Bolsonaro votou sobretudo pelos interesses cooperativos de estatais, funcionários públicos e militares. Agora ele pretenderia descartar tudo porque o "Posto Ipiranga" o convenceu do contrário – isso soa bastante inverossímil.
Em terceiro lugar, Guedes nunca encabeçou um ministério ou órgão público. Ele não tem nenhuma experiência de como impor reformas contra as resistências dentro do próprio aparato, de como se negocia política econômica no Congresso ou com os governadores. Cada uma de suas "reformas" trará à cena gigantescos e bem organizados lobbies.
Imagine-se que campanha as associações de empresários iniciariam se um presidente pretendesse baixar os impostos a fim de abrir o mercado brasileiro para importações. E essa ainda é uma medida relativamente fácil de vender para a opinião pública, mas que seria imediatamente bloqueada pelos bem organizados grupos de interesses.
Por isso, eu duvido que Jair Bolsonaro e seu guru econômico Paulo Guedes ainda vão aguentar muito tempo juntos.
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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