Análise: Haddad obtém vitória com reoneração de combustíveis
1 de março de 2023O governo Lula anunciou a retomada da cobrança de tributos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre a gasolina e etanol a partir desta quarta-feira (01/03). O impacto será de 0,47 real por litro da gasolina e 0,02 real por litro do etanol – um aumento parcial em relação aos valores cobrados antes da desoneração.
A medida foi tomada após semanas de disputa entre a ala política do Partido dos Trabalhadores e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A decisão representa uma vitória parcial de Haddad, já que o governo federal voltará a tributar os dois combustíveis, mesmo que, no início, as alíquotas sejam inferiores às praticadas anteriormente.
Haddad queria aumentar novamente os tributos sobre os combustíveis e evitar que o Estado perdesse mais arrecadação, porque eles não eram mais cobrados sobre a gasolina e o etanol. O ex-presidente Jair Bolsonaro zerou as alíquotas em meados de 2022, na tentativa de derrubar os preços nas bombas para aumentar sua popularidade e conquistar votos nas eleições presidenciais.
Para Haddad, sua credibilidade como ministro da Fazenda fica preservada com esse desfecho: apenas com essa receita fiscal ele poderá garantir a viabilidade de seu plano de redução do déficit orçamentário apresentado em janeiro.
A arrecadação do governo com a retomada integral da PIS/Cofins e da Cide sobre os combustíveis – de 0,69 real por litro da gasolina e de 0,24 real sobre o etanol – a partir de março, seria de quase 29 bilhões de reais. Para compensar as novas alíquotas menores, o governo irá cobrar um novo imposto sobre exportações de petróleo bruto.
Impacto da inflação
No entanto, o PT – e, acima de tudo, sua presidente Gleisi Hoffmann – temem as consequências políticas de uma inflação mais alta e do aumento dos preços dos combustíveis.
O reajuste no preço do litro da gasolina deverá refletir em alta de 0,32 ponto percentual na inflação de março, segundo a FGV. E o aumento da inflação e o descontentamento dos motoristas, principalmente da classe média, poderiam prejudicar a popularidade de Lula. Para não provocar a ira dos caminhoneiros, o governo tomou o cuidado de isentar o óleo diesel dos tributos até o final do ano.
Haddad, Lula e a ala política do PT conseguiram agora costurar um acordo: o aumento dos tributos cobrados sobre a gasolina e o etanol não foi integral. A estatal Petrobras, por sua vez, compensará com uma redução de preços de 0,13 real no litro da gasolina e 0,08 real no litro do diesel, fazendo com o que o impacto na bomba seja menor para os consumidores.
Isso significa que a Petrobras está sendo usada novamente como um freio à inflação, como aconteceu recentemente no governo Dilma Rousseff, mas também no governo Bolsonaro – às custas de suas próprias receitas e lucros.
Um "velho novo" problema
"O problema sai por uma porta e volta por outra", escreveu o jornalista Vinicius Torres Freire no jornal Folha de S. Paulo. Explicando: se a Petrobras investir menos porque a empresa dá mais para o Estado como compensação de tributos, os lucros da petroleira encolhem. Para o Estado, isso significa que a Petrobras pagará menos dividendos.
Em outra dimensão, a isenção de tributos sobre o combustível também é controversa em termos de política de distribuição: se o governo fez da redução da pobreza sua principal prioridade, não faz sentido agradar os motoristas de classe média com gasolina barata. Afinal, os pobres tendem a se beneficiar menos das isenções do tributos sobre combustíveis porque dirigem menos.
Os investidores – ou seja, os ricos no Brasil – também se beneficiam do crescente déficit nacional, pois o Estado tem que tomar mais empréstimos e pagar a eles juros de dois dígitos sobre os títulos de dívida pública.
Politicamente, Haddad conseguiu se impor contra o PT com o tributo diferenciado sobre os combustíveis usando um argumento ambiental: o tributo integral incide sobre a gasolina, que é prejudicial ao meio ambiente, enquanto um significativamente menor é cobrado sobre o etanol, que causa muito menos emissões. O argumento é que, só assim, o Brasil pode atingir suas metas climáticas.
Porém, é duvidoso se o argumento ambiental será suficiente para tirar Haddad da linha de fogo de seu próprio partido.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.