O Brasil deveria revisar sua meta de inflação?
17 de fevereiro de 2023A meta de inflação no Brasil se tornou alvo de repetidas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas. Para ele, a ampliação da meta de inflação poderia abrir caminho para o Banco Central (BC) reduzir a taxa básica de juros, a Selic, que hoje está em 13,75% ao ano – o que impulsionaria a economia brasileira.
Em meio a embates entre Lula e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, houve economistas que classificaram a meta de inflação – atualmente de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo – como irreal, devido à trajetória atual dos preços, que subiram nos últimos anos por causa da pandemia de covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Em 2022, o Brasil registrou inflação de 5,79%.
Alguns especialistas afirmaram ainda que o Brasil cometeu um erro ao reduzir o centro da meta de inflação, que foi mantida em 4,5% entre 2005 e 2018. Para eles, seria pertinente elevar a meta para próximo de 4%.
Porém, para economistas ouvidos pela DW, uma revisão da meta atual seria contraproducente, e a alteração poderia ser interpretada por agentes econômicos como um sinal negativo.
Revisar ou não a meta?
A meta de inflação de 2023 foi definida em junho de 2020 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que ainda manteve na época as metas de inflação para 2020, 2021 e 2022, respectivamente, em 4%, 3,75% e 3,5%.
Na época, o governo destacou que a decisão mantinha o ritmo de reduções graduais da meta a cada ano, conduzindo o Brasil gradualmente para níveis de meta de inflação observados por grande parte das economias emergentes. E, ainda, que a pandemia contribuiria para a redução da meta, porque a crise econômica faria a maior parte dos preços cair – o que, na verdade, não ocorreu.
O CMN precisa definir as metas de inflação até o final de junho de três anos antes. Ou seja, o órgão deverá decidir a meta de 2026 até junho deste ano.
"O Brasil não deveria revisar neste momento a meta de inflação [de 2023], pois isso poderá surtir um efeito contrário. Quer dizer, os agentes econômicos podem achar que o BC será mais flexível com a inflação, e isso pressionaria a taxa de inflação e de juros no futuro", afirma Joelson Sampaio, professor de economia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP).
O especialista acha importante não alterar a meta de inflação para este ano, mas discutir uma possível revisão para 2024, 2025 e 2026. "O ato de perseguir a meta passa uma mensagem de que o país está comprometido com a política monetária. Mesmo que o Brasil não atinja a meta, ele está perseguindo a meta – e isso é o mais importante", frisa Sampaio.
Também para Josilmar Cordenonssi, professor de Finanças e Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), o Brasil não deveria revisar a meta de inflação atual, porque os efeitos de política monetária levam ao menos seis meses para surtir efeitos na economia real. Além disso, esse movimento seria uma péssima sinalização para o futuro.
"É contraproducente, já que todos pensariam: 'Afinal, a meta de inflação é para valer ou não?' Portanto, essa incerteza pode minar a credibilidade da política monetária neste momento e no futuro. É muito difícil conquistar credibilidade, mas muito fácil de perdê-la", diz Cordenonssi.
Ele aponta que os EUA e a zona do euro têm metas de inflação de 2%. "Mesmo a inflação na zona do euro tendo alcançado quase 10% [em 2022], não há uma discussão sobre alteração na meta para alinhar as expectativas com relação ao futuro. E isso não é uma questão meramente financeira", acrescenta.
O Brasil adotou o sistema de metas para a inflação em 1999, com uma meta inicial de 8%. Segundo o BC, desde a criação do regime de metas, a inflação ficou fora do intervalo de tolerância em sete anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022.
Vários países do mundo usam o sistema de metas de inflação desde os anos 1990 para definir limites para a variação de preços e evitar que eles fujam do controle – ficando altos ou baixos demais –, o que causa desequilíbrios na economia como um todo.
Relação direta entre Selic e meta de inflação
A Selic é um dos principais elementos da estratégia política monetária no Brasil, e o Banco Central usa a taxa básica de juros como uma ferramenta de controle da pressão inflacionária e para garantir a estabilidade dos preços.
Quando a inflação está acima da meta, como atualmente, o BC pode manter a Selic em patamares altos ou até mesmo aumentá-la para desestimular o consumo e favorecer a queda da inflação, pois os juros cobrados em empréstimos, financiamentos e cartões de crédito ficam mais altos – e, consequentemente, a demanda por bens e serviços diminui e pode contribuir para a redução dos preços.
Por outro lado, quando a inflação está abaixo da meta, o BC pode reduzir a Selic para estimular o consumo e aumentar a demanda por bens e serviços. A redução da Selic estimula a tomada de empréstimos, já que os juros cobrados nessas operações ficam mais baixos. Quer dizer, se os juros diminuem, o crédito fica mais em conta, e o consumo aumenta.
Autonomia do Banco Central
A autonomia do BC foi estabelecida em 2021, após o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionar uma lei aprovada pelo Congresso. O presidente e os diretores do BC passaram a ter mandato fixo de quatro anos – e que não coincide com o do presidente da República.
Como a diretoria do órgão não pode ser demitida por subir a taxa de juros, a ideia da lei era blindar esses servidores de eventuais intervenções por parte do Poder Executivo em medidas como definição de juros e o controle da inflação, o que foi considerado por especialistas como um grande avanço institucional.
O BC tem autonomia para definir a Selic, porém, o CMN é o encarregado de decidir sobre crédito, meta de inflação e regulações sobre instituições financeiras. O CMN é formado atualmente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad; pela ministra do Planejamento, Simone Tebet; e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Cada um deles tem direito a um voto, e as decisões são tomadas por maioria simples.
O CMN se reuniu pela primeira vez no governo Lula nesta quinta-feira (16/02), porém, a reunião não incluiu discussões sobre a revisão da meta de inflação. Dois dias antes, Haddad já havia sinalizado que o tema não estava na pauta do encontro e, portanto, não seria discutido.